A cauda da Europa em Moledo
Eassim, vis toque choveu a espaços,mas com céu azulado a recortar o Monte de Santa Tecla a partir da hora de sobremesa (que foi arroz doce), o almoço de domingo passado entreteve-nos numa discussão sobre o destino da Pátria. Há muito tempo, desde que confiei que estávamos no caminho do progresso e me retirei para os pinhais de Moledo, que não me dedico nem à ciência económica, nem às grandes minudências da ciência política. Estes assuntos ficaram guardados no velho escritório de família do Porto, onde várias gerações de pessoas medianas aceitaram os encargos do trabalho a fim de alimentar a sua prole e, se possível, providenciar-lhes algum conforto.
Com alguma regularidade, os portugueses regressam à triste confirmação de que “as coisas não vão bem”, enquanto os economistas e comentadores nos ameaçam com “a cauda da
Europa”. Quando, ainda no regime do dr. Salazar, calhava comentar-se o assunto – que é velho –, o velho Doutor Homem, meu pai, abandonava o seu tradicional torpor e lembrava, com ironia, que a culpa “da situação” era nossa. Em seu entender, o problema estava na ideia absurda de nos compararmos com a Europa; uma comparação com outros continentes colocava-nos em melhor posição. Ele acreditava, já nessa altura, que Portugal era um lugar excelente para receber turistas e cultivar legumes, mas não convinha alargar muito as expectativas. De resto, o País tinha uma preferência atribulada por malandros e pantomineiros a quem, com a passagem do tempo, acabava por desculpar tudo – atribuindo-lhes condecorações ou chegando à funesta conclusão de que havia algum sentido nas patifarias cometidas. Isto explica que, de tempos a tempos, seja fácil ludibriar-nos em conjunto.
Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, compreende isto na perfeição e interrompe a conversa anunciando que daqui a dois, três meses, temos aí o Verão, o que nos põe à frente da Europa.
“O País tinha uma preferência atribulada por malandros”