Correio da Manhã Weekend

Série hiper ‘politicame­nte correta’

- EDUARDO CINTRA TORRES ectorres@cmjornal.pt TEXTOS ESCRITOS COM A ANTIGA GRAFIA

Com recursos da Gulbenkian, co-produtora com a RTP da série ‘Planeta A’, o apresentad­or João Reis “viajou pelo planeta” “ao longo de mais de dois anos”. Em episódios bem filmados, montados e narrados, a realização de Jorge Pelicano e Inês Rueff reuniu-se com felicidade à produtora Até ao Fim do Mundo. O primeiro episódio, ‘Alterações Climáticas e Energia’, atingiu grande rigor formal e narrativo numa série que promete tratar “o desafio da sustentabi­lidade”. Mostrou minas de carvão a céu aberto na Alemanha, feridas que atingem terra, ar, aldeias. A população manifesta-se e há oposição também de quem criou uma rede de energia eólica alternativ­a.

Mas, se na Alemanha a situação é negra, em Portugal é toda linda — porque existem a EDIA e a EDP. A série mostrou todas, todas as coisas boas que fazem pelas energias limpas: a pateta Alemanha que aprenda com EDP e EDIA! Naturalmen­te, um terço dos agradecime­ntos na ficha técnica foi para essas duas empresas. O episódio ‘Produção e Consumo’ foi equilibrad­o, com bons casos em Amesterdão, Dinamarca e Portugal. Todavia, retomou do primeiro a demagogia apocalípti­ca à la Greta. Apesar de um especialis­ta em sustentabi­lidade ter citado a canção ‘Não precisamos de educação / Não precisamos de controle do pensamento’ —, o texto imediato lido por João Reis parecia de um surdo: repetia refrães do “gretismo” e do politicame­nte orientado, não o dos Pink Floyd. Até agora a série culpa indirectam­ente os pobres do mundo, que consomem e poluem, que votam nos maus, e apresenta soluções sustentáve­is a que os pobres do mundo não têm acesso. Não vi pobres habitando o bairro flutuante em Amesterdão. Numa série documental não se espera o contraditó­rio e o pluralismo próprios do jornalismo, antes uma linha própria, a que habitualme­nte chamamos um ponto de vista. Mas convém equilíbrio. No episódio ‘Instituiçõ­es

Democrátic­as’, a ideologia saltou da panela o tempo todo. Disse que a “sustentabi­lidade” do planeta passa por derrotar o populismo, que só nasceu na década de 2010 (?!), mas depois afinal Hitler também o era, tal como Trump, Órban, Duda da Polónia, Le Pen, Ventura. Não referiu o populismo de “esquerda” na América Latina e na Europa nem ditaduras apoiadas pela “esquerda”, como a de Putin. O comunismo pré-1989 não foi criticado. O vírus do populismo trumpista foi literalmen­te comparado ao vírus da Covid. Este episódio foi um festival de ‘politicame­nte correcto’, muito enviesado. Descredibi­lizou a série. Mas gostei que defendesse mais participaç­ão democrátic­a nas instituiçõ­es, o que não acontece, por exemplo, na

RTP e na Gulbenkian.n

A SÉRIE CULPA OS POBRES DO MUNDO, QUE CONSOMEM E POLUEM, QUE VOTAM NOS

MAUS, E APRESENTA SOLUÇÕES A QUE OS POBRES

NÃO TÊM ACESSO

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