Série hiper ‘politicamente correta’
Com recursos da Gulbenkian, co-produtora com a RTP da série ‘Planeta A’, o apresentador João Reis “viajou pelo planeta” “ao longo de mais de dois anos”. Em episódios bem filmados, montados e narrados, a realização de Jorge Pelicano e Inês Rueff reuniu-se com felicidade à produtora Até ao Fim do Mundo. O primeiro episódio, ‘Alterações Climáticas e Energia’, atingiu grande rigor formal e narrativo numa série que promete tratar “o desafio da sustentabilidade”. Mostrou minas de carvão a céu aberto na Alemanha, feridas que atingem terra, ar, aldeias. A população manifesta-se e há oposição também de quem criou uma rede de energia eólica alternativa.
Mas, se na Alemanha a situação é negra, em Portugal é toda linda — porque existem a EDIA e a EDP. A série mostrou todas, todas as coisas boas que fazem pelas energias limpas: a pateta Alemanha que aprenda com EDP e EDIA! Naturalmente, um terço dos agradecimentos na ficha técnica foi para essas duas empresas. O episódio ‘Produção e Consumo’ foi equilibrado, com bons casos em Amesterdão, Dinamarca e Portugal. Todavia, retomou do primeiro a demagogia apocalíptica à la Greta. Apesar de um especialista em sustentabilidade ter citado a canção ‘Não precisamos de educação / Não precisamos de controle do pensamento’ —, o texto imediato lido por João Reis parecia de um surdo: repetia refrães do “gretismo” e do politicamente orientado, não o dos Pink Floyd. Até agora a série culpa indirectamente os pobres do mundo, que consomem e poluem, que votam nos maus, e apresenta soluções sustentáveis a que os pobres do mundo não têm acesso. Não vi pobres habitando o bairro flutuante em Amesterdão. Numa série documental não se espera o contraditório e o pluralismo próprios do jornalismo, antes uma linha própria, a que habitualmente chamamos um ponto de vista. Mas convém equilíbrio. No episódio ‘Instituições
Democráticas’, a ideologia saltou da panela o tempo todo. Disse que a “sustentabilidade” do planeta passa por derrotar o populismo, que só nasceu na década de 2010 (?!), mas depois afinal Hitler também o era, tal como Trump, Órban, Duda da Polónia, Le Pen, Ventura. Não referiu o populismo de “esquerda” na América Latina e na Europa nem ditaduras apoiadas pela “esquerda”, como a de Putin. O comunismo pré-1989 não foi criticado. O vírus do populismo trumpista foi literalmente comparado ao vírus da Covid. Este episódio foi um festival de ‘politicamente correcto’, muito enviesado. Descredibilizou a série. Mas gostei que defendesse mais participação democrática nas instituições, o que não acontece, por exemplo, na
RTP e na Gulbenkian.n
A SÉRIE CULPA OS POBRES DO MUNDO, QUE CONSOMEM E POLUEM, QUE VOTAM NOS
MAUS, E APRESENTA SOLUÇÕES A QUE OS POBRES
NÃO TÊM ACESSO