Correio da Manhã Weekend

AMIGOS DE PAPELÃO

- POR MIRIAM ASSOR escritora

Afrase é uma tareia no conceito da amizade: “Houve pessoas que deixaram de falar comigo, outras que desaparece­ram da minha vida”. “Não aguentaram o peso das minhas lágrimas”. Judite de Sousa enterrou o filho, único filho. Será uma dor sem que haja outra dor igual. Só quem passou pela tragédia maior sabe da curva do fogo. Amigos, assim, ascendente­s da onça não eram amigos. Era gente conhecida ou gente com o coração na sanita: “Os meus melhores amigos são estes jovens (amigos do filho). Porque muitos outros amigos, pessoas que me acompanhav­am há 40 anos, voltaram-me as costas”. O esterco, ao lado deste tipo de pessoas, é um frasco de Channel. O que lhes passou pela moleira vazia para terem virado a cara e o lombo à desgraça da Judite? Não é blá-blá-blá poético: somos responsáve­is pelos nossos amigos, na festa onde é fácil estar e sermos, e nas horas em que o chão foge e nunca mais regressa. Fugir é a saída daqueles que, afinal, nunca estiveram verdadeira­mente, apenas picaram ponto numa espécie de corpo presente para jantares e festarolas. Em 2014, Judite de Sousa e o ex-marido Pedro Bessa, produtor da RTP Porto, levaram um filho para o cemitério. André não estava doente, não que a doença, alguma vez, pudesse trazer preparação para o que natureza não prepara pai e mãe. O jovem, de 29 anos, desequilib­rou-se quando estava sentado à beira da piscina e, ao bater com a cabeça na pedra de uma cascata, sofreu uma fractura no tronco cerebral. Foi socorrido rapidament­e, mas a pior notícia aconteceu no hospital. Judite de Sousa, na recente entrevista dada a Luís Manuel Goucha, comparou a perda de um filho como um eterno ‘naufrágio’. Afundada num mar terrível, soube, ainda assim, vir ao de cima para perpetuar a memória de André, criando uma bolsa de estudo com a Universida­de Nova de Lisboa para apoiar alunos carenciado­s que queiram frequentar o mesmo mestrado do filho, Finanças.

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