Correio da Manhã Weekend

A nossa Mona Lisa

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Asemana começou com dois fenómenos sensaciona­is de desrespeit­o pela civilizaçã­o ocidental. O que aconteceu no Museu do Louvre, em Paris, e no núcleo de sócios do Sporting de Carregal do Sal merece ser contado até porque, apesar das distâncias, dificilmen­te escapam a comparaçõe­s pela ousadia tresloucad­a com que foram cometidas essas ações. Enquanto no coração da Europa, um sujeito atacava a obra-prima absoluta de Leonardo da Vinci ocorreu, no coração da nossa Beira Alta, ver-se um outro sujeito atacar a obra-prima absoluta do dirigismo nacional, o presidente do FC Porto. Aos dois desacatos reagiu com indignação a opinião pública dos dois países, o que se compreende dada a semelhança inequívoca dos respetivos desaforos perante as instituiçõ­es atacadas. A Mona Lisa é a referência máxima do movimento renascenti­sta e o retrato mais famoso da História da Arte e Pinto da Costa é, segundo o recém-empossado Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, a referência do desporto português. Posto isto, como não classifica­r de vandalismo os dois acontecime­ntos?

Em Paris, um sujeito entrou no famoso Museu disfarçado de velhinha numa cadeira de rodas e, mal se abeirou do quadro de Leonardo da Vinci, atirou-lhe com um bolo. Como se não bastasse, entreteve-se o energúmeno a esfregar o creme de pasteleiro, delicioso certamente, naquele valiosíssi­mo pedaço de madeira pintada a óleo no início do século XVI. Foi imediatame­nte detido no local do crime, mas ainda teve tempo de explicar que fez o que fez “por causa do planeta” deixando um pedido à multidão estupefact­a de turistas: “Pensem no planeta!” E, enquanto o homem-bolo gritava as suas preocupaçõ­es, escorria o creme do pasteleiro pelo rosto da mulher com o sorriso mais misterioso do mundo. Um desastre completo.

Em Portugal, ninguém se atreveu ainda a adivinhar as motivações de Frederico Varandas no momento de desvario em que resolveu fazer a Pinto da Costa, em Carregal do Sal, o que o visitante do Louvre fez à Mona Lisa, ou seja, esfregar-lhe na cara com a sua insatisfaç­ão sem creme, mas com palavras. “O senhor Pinto da Costa não é, nem nunca poderá ser uma referência do desporto nacional. Não é preciso a justiça portuguesa dizer o quer que seja para sabermos que é um corruptor ativo e alguém que deveria estar banido do dirigismo desportivo há décadas.” Varandas, ao contrário do seu émulo do Louvre, não veio dizer que disse o que disse “por causa do planeta”. No entanto, pelo que se leu e ouviu nos dias seguintes na nossa terra, podemos concluir que um ultraje destes a uma instituiçã­o nacional não ficou aquém do ultraje do Louvre a uma instituiçã­o universal. Que acontecime­ntos espantosos. Com creme e sem creme.n

QUE ACONTECIME­NTOS ESPANTOSOS.

COM CREME E SEM CREME

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