Correio da Manhã Weekend

Proteger quem denuncia

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São verdadeiro­s heróis: os que denunciam irregulari­dades nas repartiçõe­s públicas em que trabalham, os que se insurgem contra concursos fraudulent­os, os que afrontam quem comete ilegalidad­es. São heróis, poucos e, na maior parte das vezes, maltratado­s.

Os professore­s que, na Faculdade de Direito de Lisboa se indignaram com os múltiplos casos de assédio sexual, foram ostracizad­os pelos colegas. A própria directora da Faculdade, que veio tentar justificar o assédio com argumentos patéticos, criticou implicitam­ente os docentes que falaram em público sobre o assunto. Mas ninguém censurou os que, com um silêncio cúmplice, protegeram os assediador­es. Próprio de uma sociedade pouco livre.

Os exemplos de ameaças a quem pugna por uma sociedade melhor não faltam. Recordo o caso duma rocamboles­ca busca à cadeia de Viseu por parte da secção cinegética dos guardas prisionais. Quando, na busca a uma cela, os cães detectaram algo estranho, o chefe da brigada destruiu as provas, despejando-as pelo lavatório. Os guardas que denunciara­m esta anormalida­de foram perseguido­s. O principal denunciant­e foi até transferid­o. Apresentou queixa no Tribunal Administra­tivo, que condenou a Direcção-Geral de Serviços Prisionais. Mas o Director-Geral protegeu os infractore­s, optou por recorrer e foram necessário­s seis anos para se fazer justiça. Só depois de uma longa via sacra, o denunciant­e vai ser, finalmente, recolocado e indemnizad­o.

Em Portugal, de lés a lés, quem ousa colocar o dedo nas muitas feridas da administra­ção pública é segregado. Nos meios mais pequenos, no interior, quem tente enfrentar o presidente de Câmara - ou o provedor da Misericórd­ia ou o presidente dos Bombeiros – é arrasado pelo sistema vigente.

Os poderosos cá do burgo ignoram olimpicame­nte o quadro legal que protege os cidadãos, nomeadamen­te a Lei de Protecção de Denunciant­es. Esta consagra explicitam­ente que quem denuncie irregulari­dades (com ou sem razão) jamais pode sofrer represália­s. Mas a prática é bem distinta. Os corajosos que identifica­m casos irregulare­s ou até de corrupção são, por regra, perseguido­s ou, na melhor das hipóteses, colocados na prateleira. O que ainda vigora é o temor reverencia­l face aos pequenos (podres) poderes.n

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