Quando uma entrevista é um terramoto
Das poucas vezes que fala ou escreve desde que saiu de Belém, Cavaco Silva abala o país político. Parece um terramoto: a mediocridade generalizada que nos governa, no Governo, partidos, no parlamento e em Belém, fica mais à vista; a capacidade de análise, a força das opiniões e a escolha exacta dos temas e palavras realçam em si mesmas a pequenez dos protagonistas activos e revelam uma maneira de ver a realidade política que mais ninguém traz aos espectadores.
Aconteceu de novo esta semana, e a duplicar, com o artigo no ‘Observador’ e com a entrevista que deu a Maria João Avillez (CNN Portugal). Cavaco marcou a agenda; desmentiu uma despudorada mentira de Costa sobre os seus governos; destruiu a posteriori os anos de Rio no PSD; recordou que os anos Costa são de estagnação, que Costa nos pôs no rodapé da Europa e que não fez uma única reforma; recordou que foi o PS que nos trouxe a bancarrota e chamou a troika e que foi o governo Passos que nos tirou dela.
Por falar pouco e com palavras medidas e assertivas, Cavaco faz tremer a mediocridade instalada. Viu-se Costa a responder-lhe: parecia uma formiga a comentar o elefante. Pior estiveram os soldados de que Costa é general: pura e simplesmente bolsaram uns comentários sem conseguir abordar uma única das críticas de Cavaco.
A perplexidade de Cavaco, infelizmente apenas a posteriori, sobre os anos catastróficos de Rio como “líder da oposição” — Rio nem foi líder nem foi da oposição — recordaram como é possível uma instituição, neste caso o PSD, escolher o pior possível para si mesma, não uma, mas duas vezes, e não ser capaz de sair do buraco senão por abandono do próprio protagonista, como aconteceu na noite eleitoral.
Nestas ocasiões vê-se como fazem falta líderes políticos com sentido estratégico, com conhecimento das matérias, com experiência. O próprio Cavaco recuperou um pouco o carisma perdido nos últimos anos do seu segundo mandato em Belém, quando perdeu o povo porque se mostrava fraco, condicionado por uma qualquer mão invisível ainda hoje misteriosa.
A CNNP e a TVI fizeram da entrevista um evento, dado o significado e o interesse. Como foi gravada, destacaram alguns momentos
CAVACO MARCOU A AGENDA, DESMENTIU UMA DESPUDORADA MENTIRA DE COSTA SOBRE OS SEUS
GOVERNOS
antecipadamente. O que eu nunca tinha visto na vida foi o que fez a CNN Tuga: teve um comentador (Pedro Santos Guerreiro) a comentar a entrevista antes — antes — de ela ser emitida. É a soberba de querer moldar as almas, de orientar os espectadores para opiniões que o canal pretende inculcar sobre uma entrevista, roubando aos espectadores a liberdade primordial, inicial e limpa, de eles mesmos construírem primeiro a sua opinião.n