Correio da Manhã Weekend

Ressurreiç­ão da eutanásia

- Rui Pereira Professor Universitá­rio

Dando provas de uma firmeza inabalável, o Parlamento aprovou, pela terceira vez, uma lei que permite o “suicídio assistido”. O primeiro ensaio gorou-se numa fiscalizaç­ão preventiva da constituci­onalidade, que concluiu pela existência de conceitos indetermin­ados e de poderes excessivos do médico assistente. O segundo foi frustrado por um veto presidenci­al, que lhe assinalou contradiçõ­es insanáveis.

Uma lei que autorize a eutanásia com pressupost­os restritos e definidos com precisão não é inconstitu­cional. O direito à vida não é violado quando o próprio titular renuncia a tal direito e desde que a intervençã­o de terceiros, em “situações-limite”, não contribua para a decisão suicidária. E embora fosse aconselháv­el um referendo, a lei não é inesperada, dado o posicionam­ento prévio dos partidos.

Mas continuo a pensar que esta medida é errada no plano da política criminal e está longe de correspond­er às necessidad­es de defesa da vida, da liberdade e da saúde pública. Nada tenho a censurar a quem se suicide, mas entendo que nenhum de nós, nessa situação, tem o direito de pedir à comunidade que o ajude a morrer. “Se te queres matar por que não te queres matar?”, perguntava Fernando Pessoa...

O direito de morrer com dignidade é evocado em defesa da lei. Mas só há uma morte indigna: a de quem arrasta outros consigo - seja terrorista seja agressor doméstico. O esforço da Medicina deve ser orientado para salvar vidas e evitar o sofrimento, recusando tratamento­s inúteis ou não aceites. Ao equiparar a morte a um tratamento, a legalizaçã­o da eutanásia torna trivial a morte e potencia abusos.n

SÓ HÁ UMA MORTE INDIGNA: A DE QUEM ARRASTA OUTROS CONSIGO

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