Hotel Ruanda
Contra os entendimentos multiculturais mais perversos, que apelam à boa compreensão de mutilações genitais, femi(ni)cídios de “honra”, castigos corporais, casamentos de crianças ou recrutamento de soldados meninos, a cultura dos direitos humanos fundamenta-se numa ideia de universalidade. É esse o legado irrenunciável das revoluções liberais e das grandes proclamações iluministas do século XVIII.
Os direitos humanos, a começar pelos “direitos da liberdade”, não são uma benesse do Estado, mas sim pressuposto do contrato social. São inerentes à essencial e igual dignidade humana, que nenhum déspota pode “revogar”. Por isso, é paradoxal e lamentável que os Estados que foram o berço dessa cultura humanista se prontifiquem a desmenti-la e a relativizar tais direitos ao sabor das conveniências.
Por mais exigentes que sejam as necessidades de prevenir os atentados terroristas, nada justifica que se crie uma terra sem Direito, como em Guantánamo, para poder torturar à discrição os suspeitos de crimes graves. Por mais legítimas que sejam as pretensões de manter incólumes as fronteiras e regular os fluxos migratórios, é inaceitável que seres humanos sejam despejados como lixo, longe de casa.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos cumpriu a sua obrigação ao suspender o negócio pelo qual o Ruanda se obrigou a receber imigrantes que entraram ilegalmente no Reino Unido, a troco de 144 milhões de euros. Nem o Príncipe Carlos nem o Arcebispo da Cantuária conseguiram manter o silêncio perante tão desonroso arranjo. O Ruanda talvez possa ser desculpado, mas Boris Johnson persiste na infâmia.n
É INACEITÁVEL QUE SERES HUMANOS SEJAM DESPEJADOS
COMO LIXO