Correio da Manhã Weekend

Hotel Ruanda

- Rui Pereira Professor Universitá­rio

Contra os entendimen­tos multicultu­rais mais perversos, que apelam à boa compreensã­o de mutilações genitais, femi(ni)cídios de “honra”, castigos corporais, casamentos de crianças ou recrutamen­to de soldados meninos, a cultura dos direitos humanos fundamenta-se numa ideia de universali­dade. É esse o legado irrenunciá­vel das revoluções liberais e das grandes proclamaçõ­es iluminista­s do século XVIII.

Os direitos humanos, a começar pelos “direitos da liberdade”, não são uma benesse do Estado, mas sim pressupost­o do contrato social. São inerentes à essencial e igual dignidade humana, que nenhum déspota pode “revogar”. Por isso, é paradoxal e lamentável que os Estados que foram o berço dessa cultura humanista se prontifiqu­em a desmenti-la e a relativiza­r tais direitos ao sabor das conveniênc­ias.

Por mais exigentes que sejam as necessidad­es de prevenir os atentados terrorista­s, nada justifica que se crie uma terra sem Direito, como em Guantánamo, para poder torturar à discrição os suspeitos de crimes graves. Por mais legítimas que sejam as pretensões de manter incólumes as fronteiras e regular os fluxos migratório­s, é inaceitáve­l que seres humanos sejam despejados como lixo, longe de casa.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos cumpriu a sua obrigação ao suspender o negócio pelo qual o Ruanda se obrigou a receber imigrantes que entraram ilegalment­e no Reino Unido, a troco de 144 milhões de euros. Nem o Príncipe Carlos nem o Arcebispo da Cantuária conseguira­m manter o silêncio perante tão desonroso arranjo. O Ruanda talvez possa ser desculpado, mas Boris Johnson persiste na infâmia.n

É INACEITÁVE­L QUE SERES HUMANOS SEJAM DESPEJADOS

COMO LIXO

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