Com lei, sem roque
Os deputados estão obrigados a entregar a sua “declaração de rendimentos, património e interesses” no “prazo de 60 dias, contados a partir da data de início do exercício de funções”. A publicitação destes interesses e negócios dos parlamentares deve ser feita no site do Parlamento. Mas, ao fim de mais de 80 dias, quase um mês depois do prazo máximo para divulgação, a informação no site da Assembleia é nenhuma, zero.
Há razão plausível para este atraso? Não. A legislação (Lei 52/2019 e Lei 60/2019) é clara e taxativa: 60 dias é o prazo máximo. Só que os deputados decidem não cumprir a legislação que eles próprios aprovam. Não querendo divulgar os negócios privados em que estão envolvidos, adiam a entrega das declarações, tendo assim tempo para maquilhar os seus interesses e dissimular os seus rendimentos paralelos e obscuros, obtidos à margem da política. Esta é uma situação absurda, que Santos Silva, Presidente do Parlamento, deve resolver de imediato. Exijamo-lo! É, em boa verdade, o máximo que podemos exigir.
Mais não podemos, até porque – por absurdo que pareça - uma vez apresentadas as declarações, não há qualquer forma de escrutínio subsequente. Não há controlo nem sobre a veracidade das declarações, nem sobre actividades eventualmente incompatíveis, ou sequer acerca dos conflitos de interesses, reais, potenciais ou aparentes. Isto porque a entidade responsável por este controlo, a Entidade para a Transparência (ET), criada em 2019, nunca funcionou.
A Entidade para a Transparência é de facto ET, de extraterrestre, sem vida pelo menos neste planeta. Foi instituída por legislação de setembro de 2019, pela Lei 4/2019, deveria ter iniciado a sua actividade no primeiro semestre de 2020, em instalações cedidas pelo governo. A ET deveria também dispor de uma “Plataforma Eletrónica para Tramitação da Declaração Única de Rendimentos, Património, Interesses, Incompatibilidades
e Impedimentos.” Mas, até hoje, ainda não há instalações, apesar de o Estado português dispor de mais de três mil edifícios devolutos. E – pasme-se! não produziram ainda a dita plataforma. Tudo isto é surreal. Se alguém quisesse ocultar rendimentos e património dos políticos, não faria pior do que a entidade que os deve revelar.n
OS DEPUTADOS
A ENTREGAR A SUA DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS, NO PRAZO DE 60 DIAS. MAS NÃO CUMPREM A LEGISLAÇÃO QUE APROVARAM