Correio da Manhã Weekend

Crianças mártires

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Apequena Jéssica, alegada vítima de crimes de rapto, ofensas corporais graves e qualificad­as e homicídio, de acordo com os dados preliminar­es da investigaç­ão em curso, não teve o direito de crescer e procurar a felicidade. Tal como Valentina, Henrique, Rafael, Tasso, Joana e tantas outras crianças, foi vítima da maldade de uns e da incúria de outros, incluindo os que tinham o dever de a proteger.

Assassinad­as por pessoas em quem confiam ou a quem estão confiadas, estas crianças são mártires no rigoroso sentido do étimo da palavra. Dão testemunho da perversida­de dos adultos, da indiferenç­a da comunidade e da incúria do Estado. Não basta chorá-las ou bater palmas no funeral. Devemos “escutá-las”, para que o seu sangue não tenha sido derramado em vão e para dispensarm­os novas testemunha­s.

Uma mãe com seis filhos vive afastada de cinco, sem conseguir exercer as responsabi­lidades parentais. Faz sentido confiar-lhe uma menina de 3 anos? Jéssica estaria sinalizada pela Comissão de Proteção de Crianças desde o nascimento e o seu caso terá sido colocado ao Ministério Público

(que tem responsabi­lidades estatutári­as na matéria) há dois anos e meio. Quem está surpreendi­do com a sua sorte?

Não finjamos que o direito penal poderá evitar, por si só, novas Jéssicas ou Valentinas. A família, ainda que fragmentad­a e disfuncion­al, continua a ser a célula nuclear da sociedade. Todavia, é preciso que o Estado (parlamento, governo e tribunais) e as instituiçõ­es sociais assumam o superior interesse da criança como um direito de cada criança e não uma proclamaçã­o de amor abstrata e inconseque­nte.

NÃO FINJAMOS QUE O DIREITO PENAL PODERÁ EVITAR NOVAS JÉSSICAS

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