País escondido
Ahistória é negra. Uma menina foi deixada como fiança de uma dívida de 400 euros por um trabalho de bruxaria que se comprometia a fazer eterno, o amor da mãe com o padrasto. A dívida não foi paga e os feiticeiros devolveram a miúda, moribunda, e brutalmente espancada. Morreu. E as vestais do costume lamentaram, renegaram, as carpideiras gritaram histéricas e, enxutas as breves lágrimas, recolheram-se à ilusão do Portugal do pelotão da frente, da inovação, saturado por tanto indicador de progresso e bem-estar. Aquilo que se viu foi um filme de um Portugal que não existe. Ou que se esconde. Por vezes, vem ao de cima o húmus sobre o qual boiam as ilusões e revela-se com crueldade de sermos ainda isto. O País velho, conservador, aconchegado no medo, sobrevivente da fome, implorando aos céus ou às bruxas, supersticioso. O País onde persiste a negritude dos tempos obscuros, timorato perante as trevas, que fala com os mortos e procura sinais, nas linhas da palma da mão, que lhe mostre esperança. É o País da ignorância endémica, desconfiado da liberdade.
Este não é um caso de miséria moral. É mais um caso de miséria moral, de indigência, de um País pardo, cinzento, dominado por zelotas que transformam em otimismo a ignorância. É o País escondido, que recusa a razão e a crítica, agarrado ao conhecimento teológico e mitológico, devoto, pelintra, que veste roupa de marca falsificada e usa óculos de sol imitando as grandes estrelas. É o País das Jéssicas, das Valentinas, e outras vítimas, do desamor, onde criança é empecilho improdutivo e a maternidade um mero ato reprodutivo. Este é um pedaço bem grande do nosso País. De que pouco se fala mas que persiste como o mais terrível fardo do subdesenvolvimento.n
É O PAÍS DA IGNORÂNCIA
ENDÉMICA, DESCONFIADO DA LIBERDADE