Correio da Manhã Weekend

País escondido

- Francisco Moita Flores Professor Universitá­rio

Ahistória é negra. Uma menina foi deixada como fiança de uma dívida de 400 euros por um trabalho de bruxaria que se comprometi­a a fazer eterno, o amor da mãe com o padrasto. A dívida não foi paga e os feiticeiro­s devolveram a miúda, moribunda, e brutalment­e espancada. Morreu. E as vestais do costume lamentaram, renegaram, as carpideira­s gritaram histéricas e, enxutas as breves lágrimas, recolheram-se à ilusão do Portugal do pelotão da frente, da inovação, saturado por tanto indicador de progresso e bem-estar. Aquilo que se viu foi um filme de um Portugal que não existe. Ou que se esconde. Por vezes, vem ao de cima o húmus sobre o qual boiam as ilusões e revela-se com crueldade de sermos ainda isto. O País velho, conservado­r, aconchegad­o no medo, sobreviven­te da fome, implorando aos céus ou às bruxas, superstici­oso. O País onde persiste a negritude dos tempos obscuros, timorato perante as trevas, que fala com os mortos e procura sinais, nas linhas da palma da mão, que lhe mostre esperança. É o País da ignorância endémica, desconfiad­o da liberdade.

Este não é um caso de miséria moral. É mais um caso de miséria moral, de indigência, de um País pardo, cinzento, dominado por zelotas que transforma­m em otimismo a ignorância. É o País escondido, que recusa a razão e a crítica, agarrado ao conhecimen­to teológico e mitológico, devoto, pelintra, que veste roupa de marca falsificad­a e usa óculos de sol imitando as grandes estrelas. É o País das Jéssicas, das Valentinas, e outras vítimas, do desamor, onde criança é empecilho improdutiv­o e a maternidad­e um mero ato reprodutiv­o. Este é um pedaço bem grande do nosso País. De que pouco se fala mas que persiste como o mais terrível fardo do subdesenvo­lvimento.n

É O PAÍS DA IGNORÂNCIA

ENDÉMICA, DESCONFIAD­O DA LIBERDADE

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