Correio da Manhã Weekend

Investigar a censura nas democracia­s

- EDUARDO CINTRA TORRES ectorres@cmjornal.pt TEXTOS ESCRITOS COM A ANTIGA GRAFIA

ABibliotec­a Nacional (BN) apresenta uma interessan­te exposição em que os comentário­s e recomendaç­ões dos censores do Estado Novo são expostos ao lado dos exemplares dos livros que lhes passaram pelas mãos. Se um livro era censurado, além de se privar o público, os exemplares tinham de ser retirados do circuito de venda, com prejuízos financeiro­s para autores, editores e livreiros. São agora expostos pela primeira vez exemplares em que os censores aplicaram, literalmen­te, o lápis azul: de Vergílio Ferreira, Teixeira Gomes, Maria Lamas, Torga, Pascoaes, Aquilino e muitos outros, portuguese­s e estrangeir­os. A censura a livros era então a posteriori, depois de publicados. Decerto inspirou a censura que o ex-deputado Magalhães (PCP—> PS) fez aprovar na anterior legislatur­a.

Percorri a exposição na BN no mesmo dia em que ali consultei o ‘Primeiro de Janeiro’ de 1916. A censura via-se: no diário portuense, como em todos, as partes censuradas foram durante décadas retiradas da página, ficando os espaços em branco. Esta censura ocorria em plena 1ª República, a coberto de evitar informaçõe­s sensíveis sobre a Guerra na Europa (hoje os Magalhães do lápis azul invocam as ‘fake news’). O regime do 5 de Outubro, entre 1910 e 1926, teve períodos de feroz censura à imprensa, como o Estado Novo. Escrevia ‘O Século’ em 1916: a censura estava “cortando os simples comentário­s políticos ou de crítica social, sem nenhum carácter de informação” sobre a guerra. “Os jornais só podem dizer o que politicame­nte lhe [ao governo] convém”. O colunista Guedes de Oliveira queixava-se da censura, que também o atingia e condenava o “excesso de zelo” da comissão de censura da República, que lhe cortava artigos em que ele “não disse uma palavra, uma só”, sobre o conflito europeu. Era apenas censura prévia à livre opinião.

Julgo que já faz falta a Biblioteca Nacional e os investigad­ores da história da imprensa trabalhare­m sistematic­amente o estudo da censura em regimes que se reivindica­ram ou reivindica­m democrátic­os. É um grande ensinament­o para os tempos de hoje. À parte a leve censura na Monarquia (já estudada), é preciso investigá-la na 1ª República; e também na actual República: forte no PREC (feita em parte pela 5ª Divisão do MFA), pontual depois (programas censurados na RTP), forte outra vez no socratinis­mo, com aflorament­os no novo costismo, de que é exemplo a lei da tesoura do deputado Magalhães. Cito de novo Guedes de Oliveira: “que a censura, que bem deve conhecer as lições da História, se lembre de que explorado, conspurcad­o e calado, não há povo nenhum que por muito tempo viva.”n

“QUE A CENSURA

SE LEMBRE

DE QUE EXPLORADO E CALADO, NÃO HÁ POVO QUE POR MUITO

TEMPO VIVA”

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