Imaginem um mundo chato

Se me perguntassem – infelizmente, por motivos que desconheço, não o fazem – pelas canções que mais me irritam na história da música ligeira pirosa, de certeza que a célebre ‘Imagine’, de John Lennon, estaria no pódio (aliás, John Lennon em geral também estaria).

Não há mundinho mais irritante do que aquele, nem pessoas mais desconsoladas e picuinhas do que as que, desde 1971, se comovem com aqueles versinhos sobre um mundo sem fronteiras nem países – e já não falo da música propriamente dita. Aquela ideia melosa e cheia de melros sobre a erva de “o mundo viverá como um só” – é muito preocupante. E deixem-me dizer que acho muito cómico (porque posso mudar de estação) apreciar a quantidade de vezes que a Renascença, a rádio católica, passa esta canção que advoga que vivamos sem religião.

Finalmente, senti-me acompanhado. Esta semana, no jornal ‘The Guardian’, o filósofo esloveno Slavoj Žižek (uma das glórias da nova esquerda, com a sua mistura de marxismo, psicanálise e velho idealismo hegeliano), escrevendo sobre o pacifismo no contexto da crise ucraniana, começou por citar a canção do ex-Beatle. ‘Imagine’, diz Žižek, é a canção que acaba por juntar Kissinger e Chomsky: ambos gostariam que a Ucrânia cedesse território à Rússia quanto antes. Não custa imaginar que é uma espécie de “solução final”, mas é claro que ninguém lhes perguntou se também cederiam um rim ou parte do fígado. De qualquer modo, não me custa conceber a imagem dos dois dinossauros, de braço dado, a cantar ‘Imagine’, de velinhas (ou isqueiro, ou lanterna de telemóvel) na mão, enternecidos, agradecendo a cedência do Donbass – e, quem sabe?, do próprio mar Negro – a Putin. Tudo em nome da paz. Não me admira. Quem canta ‘Imagine’, mesmo em sonhos, é capaz de tudo.

A paz é um edifício frágil e controverso. Tal como a vida em geral, que não tem a ver com canções delicodoces ou um mundo à medida de Yoko Ono.

“Slavoj Žižek começou por citar a canção do ex-Beatle, `Imagine'”