Tudo menos as magnólias
Como se fosse prémio por bom comportamento, uns dias depois de verificar o estado geral das minhas análises clínicas, a Dra. Teresa, minha médica de Venade, teve a gentileza de me enviar fotografias das suas magnólias em flor. Todos os anos, por esta altura, o mistério das magnólias é uma espécie de sinal no calendário do tempo frio – e, por extensão, da existênciahumana,lembrandoque o Inverno tem as suas recompensas para um botânico amador. Daqui a um mês, se tudo correr bem, haverá minúsculos nós de cor amarela nas mimosas do Alto Minho, quer nas estradas da montanha, quer nos baldios à beira-mar. Um dos sinais desta evolução da Natureza acontecia a meio de Fevereiro, quando o meu avô – administrador de quintas do Douro – ia fazer a sua visita anual às amendoeiras em flor nas ravinas que confinavam com a linha do caminho-de-ferro, sempre a leste e norte da foz doPinhão,ondeoDouroverdadeiramente começava como uma entidade digna de nome. A ideia não era a de confirmar a existência das amendoeiras, mas a de conferir a chegada daquela época indefinida, arrastada entre o Inverno e a promessa da Primavera, e que lhe deixava um sorriso ao canto da boca.
Quando pela derradeira vez viajei com o meu avô até Barca d’Alva, ele já não era administrador de quintas nem se correspondia com os seus amigos ingleses. Aquele tempo tinha acabado. Lembro-me que olhou melancolicamente (o que nele era raro, como em todos os Homem, que desde cedo eram educados para não se levarem a sério) para os túneis e pontes de ferro por onde o comboio atravessava os afluentes do Douro, e falou da “maior obra de engenharia do seu tempo”. Mesmo sabendo que se tratava de pura ilusão, considerámos ambos que Barca d’Alva, as quintas do Douro, Ponte de Lima, o Minho pitoresco, Moledo e o seu mar friorento constituíam os pilares de uma geografia onde tínhamos crescido e depositado esperanças confortáveis. Esse mundo também acabou, com o tempo. Menos as magnólias.