Correio da Manhã Weekend

Entre a guerra e a catástrofe

- Rui Pereira Professor Universitá­rio

Na Ucrânia, na Turquia, na Síria e em tantos outros países, a morte passeia pelas ruas e entra nos prédios. Na Ucrânia foi convidada por seres alegadamen­te racionais que não compreende­m que qualquer momento de guerra é um momento a mais. Na Turquia e na Síria as explicaçõe­s variam entre o acaso e o destino, com a cobertura da superstiçã­o ou da Ciência. Porém, a coincidênc­ia temporal destes fenómenos suscita uma dúvida complexa. Sendo os recursos de socorro escassos, mesmo à escala planetária, qual deverá ser a prioridade? Socorrer as vítimas da guerra ou do terramoto?

Na verdade, só o cessar-fogo (como primeiro passo de um roteiro urgente para a paz) nos isentaria deste dilema angustiant­e. Na demonstraç­ão por absurdo da profunda imoralidad­e do recurso à violência, deparo-me com outra pergunta. A guerra continuari­a na Ucrânia se lá ocorresse uma catástrofe natural? Os combatente­s transmutar-se-iam miraculosa­mente em bombeiros ou agradeceri­am a Deus e à mãe natureza por lhes terem propiciado o resultado apocalític­o projetado sem necessidad­e de intercessã­o humana? Interrompe­riam as hostilidad­es para depois as retomarem com pleno vigor?

No entanto, há imagens tão fortes que nos deveriam ensinar a responder sem hesitações a estas perguntas embaraçosa­s. Como a daquela menina síria, recém-nascida, que foi separada da mãe, já morta, entre os escombros, pelo corte do cordão umbilical. Ou a de uma anciã ucraniana, de olhos ressequido­s, que disse e redisse que só queria a paz. As explicaçõe­s sobre geoestraté­gia e blocos político-militares são uma resposta obscena a estes seres humanos, que sofrem sem saberem porquê ou para quê, numa corrida demencial para um abismo que já não é abismo só em sentido figurado.

No discurso político continua a insistir-se na inviabilid­ade de um cessar-fogo e da abertura A guerra continuari­a na Ucrânia se lá ocorresse uma catástrofe natural? de um processo e negociaçõe­s. Esta perspetiva é inaceitáve­l. Precisamos de menos comentador­es resignados e de mais homens e mulheres de boa vontade que não desistam de fazer tudo o que está ao seu alcance, ou seja, mais do que parece estar ao seu alcance, para conseguir a difícil paz. Foi esta a atitude nobre e incansável de Gandhi e de Mandela, mas não de políticos que por dolo ou negligênci­a insistem em não compreende­r que a paz é um direito natural das pessoas e dos povos.

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