Correio da Manhã Weekend

A liberdade da cruzinha

“Para estas eleições, já mandou a mulher votar no partido X”

- TEXTO ESCRITO COM A ANTIGA GRAFIA

Josefa aceitou durante décadas a dramática norma popular: “Entre marido e mulher não metas a colher!” Ao longo de muitos anos, viu-se a braços com um marido possessivo, ciumento e controlado­r da sua vida privada, que amiúde exercia a autoridade de “chefe de família” com fortes pares de estalos. Josefa, resignada, tudo aguentou. A custo, justificav­a-o perante as vizinhas. “É o meu marido! Bate naquilo que é seu!” O homem, funcionári­o do Estado, sempre votou antes do 25 de Abril, por medo, obrigação e industriad­o pelos superiores. Ela, por ser analfabeta, não tinha direito de voto. As mulheres só tiveram esse direito nas primeiras eleições pós-25 de Abril. Havia excepções. A hipocrisia machista do Estado Novo apenas garantia o voto às mulheres com o curso do Liceu (hoje escolarida­de obrigatóri­a) ou se fossem “chefes de família” (viúvas ou com marido ausente). Veio o 25 de Abril. Cuidadoso, quiçá por vergonha, o homem até deixou Josefa votar nas primeiras eleições livres. Não sem antes indicar, peremptóri­o e ameaçador, em que partido é que Josefa deveria pôr a cruzinha.

Hoje velhinhos, os dois aguentam-se como podem, em nome de filhos e netos. Com o tempo, o marido amaciou comportame­ntos. Segue a política pela TV, comenta e repara em tudo.

“Olhem-me só aqueles emplastros atrás dos políticos!” Ao longo dos anos, até lhe deu para mudar o sentido de voto, por utilidade e lógica muito própria. Para estas eleições, como sempre, já mandou Josefa votar no partido X. Mal sabe ele que Josefa exerce uma liberdade única, a sua pequena vingança. Em todas as eleições, se o marido a mandava votar no partido X, ela escolhia sempre o partido Y. E nestas eleições, Josefa vai outra vez contrariar o marido. É o seu voto secreto, a sua conquista de Abril.

Fundado em 1705, com o apoio mecenático da rainha D. Catarina de Bragança, viúva de Carlos II de Inglaterra, o antigo Hospital de Arroios foi um importante convento do Colégio dos Jesuítas Missionári­os da Índia. Resistiu ao terramoto de 1755 e a várias mudanças de funções, sucumbindo apenas ao abandono que teima em deixá-lo ‘ad aeternum’ em condição de mamarracho no centro de Lisboa.

Padres expulsos

O gigantesco edifício tem uma longa história para contar. O espaço funcionou como Colégio dos Jesuítas até 1756, ano em que o Marquês de Pombal de- terminou a sua ocupação pelas freiras Concepcio- nistas Franciscan­as, vin- das do destruído Conven- to de Nossa Senhora da Luz, em Carnide, rece- bendo a denominaçã­o de Convento de Nossa Se- nhora da Conceição da Luz de Arroios. A extinção das ordens religiosas em Por- tugal, recorde-se, tem raízes no reinado de D. Jo- sé I de Portugal e na go- vernação do Marquês de Pombal. Este último sofreria de um especial ‘azedume’ no que toca ao convento de Arroios e aos jesuítas, por causa da sua estreita relação com os Távoras, em particular com D. Leonor, que tinha como guia espiritual o padre italiano Gabriel Malagrida, que veio a ser condenado como herege num processo inquisitor­ial paralelo ao que culminou na execução da família (e daqueles que lhe eram mais próximos) pela alegada tentativa de

Pouco antes do dealbar do séc. XX passou a funcionar como hospital para tuberculos­os

assassinat­o do rei.

Devoluto desde 1890, ano em que morreu a última freira, passou alguns anos a funcionar como hospital de isolamento para doentes tuberculos­os. A partir de 1898 chamou-se Hospital Rainha D. Amélia, e, em 1911, Hospital de Arroios. Foi definitiva­mente desativado em 1992 e mais recentemen­te vendido a um grande grupo económico que supostamen­te terá planos para o transforma­r em hotel.

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O antigo convento foi comprado por um grande grupo económico
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