Não era bom, não
“Não haver água canalizada nem um par de sapatos”
Até hoje há quem justifique a putativabranduradaditadura portuguesa com a frase que nem ao La Palisse ficaria bem que “quem não se metia em política, não tinha problemas”. Como se isso - o meter-se em política – não fosse o direito mais sagrado dos cidadãos em sociedades emancipadas, que produzem países economicamente viáveis. Da mesma forma, o discurso do “antigamente é que era bom” é uma falácia tremenda dita por quem quer viver equivocado porque nasceu à sombra do privilégio ou não viveu ou não se lembra que não era preciso sequer sair muito de Lisboa para não haver água canalizada e um simples par de sapatos ser um luxo. Portugal não está pior, não, e àqueles que contestam esta evidência terá de se colocar a pergunta: Está pior, dizem, pior do que o quê?
O preso político Octávio Pato esteve nove anos preso. Foi espancadopelopideRosaCasaco, que liderou a brigada que matou Humberto Delgado, em Espanha.OirmãomorreuemCaxias. A mulher foi presa com os filhos pequenos – e suicidou-se em liberdade, como se se tivesse tornado depois insuportável viver. Dois dos filhos de ambos estiveram presos igualmente.
Falei com Rui Pato, quando estreou ‘Luz Obscura’, o documentário de Susana Sousa Dias sobre presos políticos, nomeadamente a família Pato, e o quemais me impressionou foi a coragem moral daqueles que teimosamente se afastavam da vida civil em nome de alguma coisa que a nós, no conforto dos nossos sofás em frente às nossas televisões, será com certeza difícil de imaginar. Isso e a história da moeda.
Em 1961, Octávio Pato foi impedido de dormir durante 11 dias e 11 noites, de uma vez, e sete dias e sete noites noutra; anos depois contava como um dos seus carrascos usava o impacto perverso de uma moeda no vidro da janela para o despertar – um soco no coração, sobressaltado, contra o sono roubado.
Nesta edição, a jornalista Marta Martins Silva entrevistou um inspetor da polícia política do Estado Novo. Tirem as vossas conclusões.