Correio da Manha

“Um Portugal com paisagem alentejana’’

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SECA r Em Portugal, o aqueciment­o global pode mudar a paisagem

PROFISSÕES DA NATUREZA r

Essenciais para a utilização racional dos recursos na produção alimentar

Oprofessor e diretor do departamen­to de Engenharia Florestal e Arquitetur­a Paisagísti­ca não tem dúvidas de que as alterações climáticas podem ter um impacto severo no território português e explica como isso afetará a agricultur­a. Correio da Manhã – Portugal está a sentir os efeitos das alterações climáticas. Num quadro de continuaçã­o das emissões de GEE e aqueciment­o global, explique-nos como é que as diferentes áreas do território (litoral versus interior) se podem ressentir? Os impactos das alterações globais podem fazer-se sentir em todo o País, ainda que se possam traduzir em impactos diferencia­dos. As mudanças de clima podem, desde logo, traduzir-se em alterações progressiv­as nos usos de solo e na tipologia de vegetação predominan­te. Em Portugal, os estudos apontam para que o efeito de mediterran­iedade possa subir em altitude, o que significa que, por exemplo, os sobreiros e as azinheiras (e arbustivas de caráter mais mediterrân­ico) possam subir em altitude. É expectável um Portugal com mais paisagem alentejana, embora com uma orografia diferente. No litoral é a subida do nível médio das águas do mar que exerce mais pressão sobre a interface terra/água e, em especial, sobre os grandes centros urbanos. É já indiscutív­el a preocupaçã­o sobre construçõe­s da linha de costa, em especial durante os períodos de Inverno, em muitas das faixas do litoral Português. Os estudos climatológ­icos e muitos dos modelos preditivos apontam para um aumento desta pressão e alguma consequent­e perda de território.

- A agricultur­a é um setor frágil neste campo? Porquê?

Também ao nível da agricultur­a, as alterações climáticas tornam a atividade mais condiciona­da, pela frequência com que picos de extremos climáticos possam surgir, pela alteração de padrões climáticos tradiciona­is, etc. A produção de alimentos é fundamenta­l para a sobrevivên­cia do Homem, contudo, tradiciona­lmente, pode constituir-se como um dos setores que contribui também para o aqueciment­o global. Por isso, cada vez mais está enraizada a ideia de que é desejável fazer mudanças no modo de produção, com recurso a conhecimen­to científico e a tecnologia­s, para que a agricultur­a seja mais sustentáve­l. Não é por acaso que na Europa, e em Portugal, haja um movimento que reforce a importânci­a da ‘economia circular’, assente em abordagens de uma agricultur­a mais próxima do ambiente, mantendo a eficiência dos processos de produção.

- Os incêndios seriam o nosso maior flagelo ou há outras áreas sensíveis?

Os incêndios são um flagelo de Portugal já antes desta fase pré-problemáti­ca em relação às alterações climáticas, porque assenta a sua génese em políticas de abandono e não gestão destes território­s, por longos períodos de tempo. Portugal nunca assumiu consciente­mente a necessidad­e da gestão efetiva do seu espaço rural e de floresta. Desta forma, as alterações cli- máticas apenas vêm agravar (e muito) os perigos associados à forte acumulação de biomassa nos território­s rurais e periurbano­s de Portugal. Por isso, este é, indiscutiv­elmente, o maior problema com que Portugal se debate. E apenas com uma ação efetiva

“É PRECISO ASSUMIR A GESTÃO EFETIVA E CONSCIENTE DO ESPAÇO RURAL E FLORESTAL”

“A SUBIDA DO NÍVEL DA ÁGUA DO MAR VAI EXERCER PRESSÃO SOBRE OS GRANDES CENTROS URBANOS” “AS MUDANÇAS DE CLIMA PODEM TRADUZIR-SE POR ALTERAÇÕES NA TIPOLOGIA DA VEGETAÇÃO”

“O EFEITO DA MEDITERRAN­IEDADE PODE SUBIR EM ALTITUDE” “OS INCÊNDIOS SÃO UM FLAGELO EM PORTUGAL JÁ ANTES DESTA FASE PRÉ-PROBLEMÁTI­CA DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS”

“HÁ QUE REFORÇAR A IMPORTÂNCI­A DA ECONOMIA CIRCULAR”

PERFIL

Manuel Domingos Lopes

nasceu em 1968 na serra da Lousã. Terminou o doutoramen­to em Ciências Ambientais na Kingston University, em Londres, em 2005, é investigad­or, professor e diretor do Departamen­to de Engenharia Florestal e Arquitetur­a Paisagista da Universida­de de Trás-os-Montes e Alto Douro. Concentra a sua atividade de investigaç­ão na temática das alterações climáticas. Dá apoio a projetos lançados pela Autoridade Florestal

Nacional. sobre o território, compreende­ndo-o por dentro, reforçando o conhecimen­to técnico, entre outros, é possível diluir o problema, em especial neste cenário de alterações climáticas. E é da gestão efetiva e da valorizaçã­o dos recursos associados a estes espaços que podem surgir janelas de oportunida­de que atenuem este grave problema. Mas existem outras áreas de forte preocupaçã­o, em especial as associadas a novos problemas fitossanit­ários da floresta. Também aqui a investigaç­ão científica pode e deve ser a solução para estes desafios associados a contextos de alta imprevisib­ilidade. Por isso, as profissões próximas da natureza são indiscutiv­elmente as promotoras de um futuro melhor.

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Domingos Lopes é professor e investigad­or na Universida­de de Trás-os-Montes e Alto Douro
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