Correio da Manha

A Política da destruição

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No fim de semana passado estive em Paris e senti de perto os tumultos criados pelos chamados “coletes amarelos”. Nunca tinha visto nada assim na minha vida: carros virados ao contrário na avenida Kleber, idosos a correrem assustados pelas ruas, lojas a saque em que os criminosos, com desdém pelas autoridade­s, exibiam orgulhosam­ente aquilo que tinham roubado.

Este tipo de manifestaç­ões violentas não augura nada de bom para o nosso futuro e deixa-nos naturalmen­te inquietos. A antiga dicotomia “esquerda” e “direita” parece estar a mudar para uma nova dicotomia entre um mundo aberto ou fechado. Em que aquilo que divide não é uma ideologia, mas a revolta contra o sistema. É sempre mais preocupant­e quando o que divide não são ideias, mas sim a rejeição de todo um sistema.

Aquilo que vimos em Paris este fim de semana foi isso mesmo. Os grupos de vândalos tanto podiam ser de extrema-esquerda como de extrema-direita. Mas partilham o objetivo de destruir o regime.

Para mim este fenómeno e esta violência não têm justificaç­ão, mas têm algumas explicaçõe­s, tanto económicas como políticas. A verdade é que no mundo ocidental não fomos capazes de construir uma globalizaç­ão que beneficias­se todos os segmentos da sociedade. Nos nossos países, principalm­ente as classes médias têm perdido poder de compra nas últimas décadas. A Europa tem que ser mais firme na imposição de regras mais equitativa­s no comércio internacio­nal. Há demasiados países que apenas são competitiv­os face à Europa porque não cumprem os mínimos em termos de padrões ambientais, de qualidade, concorrênc­ia leal ou direitos de trabalhado­res. E isso gera des- truição de emprego e estagnação de salários nos nossos países.

Por outro lado, o sistema político tem que evoluir mais rapidament­e para um padrão de maior envolvimen­to dos cidadãos. Num mundo digital as pessoas não aceitam ser comandadas. Têm informação suficiente nas mãos para tomar as suas próprias decisões. Mas, ao mesmo tempo, um sistema não pode funcionar sem decisões coletivas. Em Paris, vários jornalista­s perguntava­m aos manifestan­tes o que eles queriam alcançar ao vir para a rua. Um dizia que estava ali porque tinham fechado a maternidad­e ao lado da sua casa; outro porque queria substituir o atual primeiro-ministro por um militar. Fica-se com a sensação que cada manifestan­te tinha a sua frustração individual, a sua queixa, a sua causa de revolta, muitas delas louváveis. O único ponto em comum era destruir em vez de reformar.

NÃO FOMOS CAPAZES DE CONSTRUIR UMA GLOBALIZAÇ­ÃO QUE

BENEFICIAS­SE TODOS OS

SEGMENTOS DA SOCIEDADE CADA MANIFESTAN­TE TINHA A SUA FRUSTRAÇÃO INDIVIDUAL, A SUA QUEIXA. O ÚNICO PONTO EM COMUM ERA DESTRUIR EM

VEZ DE REFORMAR

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