Do Montepio à China
HAVERÁ QUEM GANHE COM ISTO, MAS NÃO SERÁ SEGURAMENTE O PAÍS
Na semana passada, dois acontecimentos sem aparente relação um com o outro foram o melhor revelador do que é hoje Portugal. Décadas ficaram resumidas no espaço de apenas uns dias: de um lado, tivemos a eleição para a presidência da Montepio Geral – Associação Mutualista. O seu vencedor foi um dos últimos representantes do capitalismo de compadrio nascido das privatizações dos anos 90. Pois este indivíduo suspeito de intrujices diversas teve a apoiá-lo um vasto conjunto de “personalidades”, indo desde vários quadrantes políticos (do PSD ao PCP) até artistas variados, passando por “individualidades” sortidas, num cortejo daquilo que é tido por aí como a “nata” do país. Não podia haver melhor retrato de um certo ecossistema do passado: em nome de se criar um capitalismo genuinamente português, foram oferecidos, a certos empresários, mercados e rendas protegidos. Estas condições de privilégio não serviram em nada para desen- volver o país e nem sequer serviram para criar o tal capitalismo: com a crise, tudo ruiu com estrondo.
Por outro lado, tivemos a visita do novo DDT, como alguém lhe chamou: Xi Jinping. É que das ruínas daquele luso-capitalismo nasceu um novo sino-luso-capitalismo, praticamente nas mesmas condições que o anterior. Foi bonito de ver: empresários, políticos, comentadores e jornalistas, normalmente apopléticos com o nascente “fascismo trumpista”, desfizeram-se em bajulações a um fascista comprovado (ou comuno-fascista, ou lá o que é). Haverá quem ganhe com isto, mas não será seguramente o país, que também não deve esperar das práticas empresariais chinesas o seu desenvolvimento. Em troca da renovação de condições de favor, os múltiplos horrores do novo patrão foram varridos para debaixo do tapete. Como na famosa frase atribuída a Groucho Marx: “estes são os meus princípios; se não gostam deles, tenho outros”.