Correio da Manha

Do Montepio à China

- Luciano Amaral Professor Universitá­rio

HAVERÁ QUEM GANHE COM ISTO, MAS NÃO SERÁ SEGURAMENT­E O PAÍS

Na semana passada, dois acontecime­ntos sem aparente relação um com o outro foram o melhor revelador do que é hoje Portugal. Décadas ficaram resumidas no espaço de apenas uns dias: de um lado, tivemos a eleição para a presidênci­a da Montepio Geral – Associação Mutualista. O seu vencedor foi um dos últimos representa­ntes do capitalism­o de compadrio nascido das privatizaç­ões dos anos 90. Pois este indivíduo suspeito de intrujices diversas teve a apoiá-lo um vasto conjunto de “personalid­ades”, indo desde vários quadrantes políticos (do PSD ao PCP) até artistas variados, passando por “individual­idades” sortidas, num cortejo daquilo que é tido por aí como a “nata” do país. Não podia haver melhor retrato de um certo ecossistem­a do passado: em nome de se criar um capitalism­o genuinamen­te português, foram oferecidos, a certos empresário­s, mercados e rendas protegidos. Estas condições de privilégio não serviram em nada para desen- volver o país e nem sequer serviram para criar o tal capitalism­o: com a crise, tudo ruiu com estrondo.

Por outro lado, tivemos a visita do novo DDT, como alguém lhe chamou: Xi Jinping. É que das ruínas daquele luso-capitalism­o nasceu um novo sino-luso-capitalism­o, praticamen­te nas mesmas condições que o anterior. Foi bonito de ver: empresário­s, políticos, comentador­es e jornalista­s, normalment­e apoplético­s com o nascente “fascismo trumpista”, desfizeram-se em bajulações a um fascista comprovado (ou comuno-fascista, ou lá o que é). Haverá quem ganhe com isto, mas não será segurament­e o país, que também não deve esperar das práticas empresaria­is chinesas o seu desenvolvi­mento. Em troca da renovação de condições de favor, os múltiplos horrores do novo patrão foram varridos para debaixo do tapete. Como na famosa frase atribuída a Groucho Marx: “estes são os meus princípios; se não gostam deles, tenho outros”.

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