Correio da Manha

DE ÉVORA MONTE AO LADO OCULTO DA LUA

ATRAVESSÁM­OS O SÉC.XIXSEM RESSENTIME­NTOS,OXX SEM ILUSÕES.NO SÉC.XXIJÁSE NÃO FALADOASSU­NTO

- TEXTO ESCRITO COM A ANTIGA GRAFIA

É TRADIÇÃO CONSIDERAR-SE QUE o tio Afonso de Pena Homem foi o derradeiro membro da família a saudar o se

nhor Dom Miguel antes do embarque real de Sines para Génova, em maio de 1834. O episódio confere segundo a tradição, mas carece de documentos, como hoje se diz – uma carta, uma fonte impressa, o que for. No velho casarão de Ponte de Lima (onde, além do retrato do senhor Dom Miguel está uma boa parte do arquivo de ninharias familiares), no entanto, não se requeriam esses documentos, e ficou estabeleci­do que, mal o general Azevedo Lemos marchou de Évora Monte, onde foi assinada a Concessão, o tio Afonso desceu pelo Alentejo fora para se despedir da comitiva que partia para o exílio. Atrás dele, deixava uma onda de deserções (a mais penosa foi a dos Dragões de Chaves, naturalmen­te) e de derrotas – ao contrário das primeiras, estas são recordadas até hoje sem amargura e alimentam o carácter dos Homem que atravessar­am o século XIXsem ressentime­ntos e cruzaram o XX sem ilusões. No século XXI já se não fala do assunto salvo durante os amigáveis serões do Estio de Moledo, quando, depois da sobremesa ou do café, a baía diante do forte da Ínsua ou a foz do Minho ficam iluminadas pela bonomia dos convivas.

Não temos grande orgulho no passado. Ele foi como foi – e teve de tudo: bandoleiro­s e traidores, gente de honra e aventureir­os destemidos, românticos, cómicos audazes e heróis discretos, mas, em geral, equilibrám­o-nos como funâmbulos que sofrem de vertigens: olhando em frente.Ao contrário da “gente do Progresso” (essa luz que iluminou os últimos dois séculos até chegarmos a esta desgraça), que se orgulha de tudo e em tudo procura os sinais da sua virtude, os Homem aprenderam com a História que, na vida, a derrota é a única coisa certa; e que tudo o que vem se acrescenta como uma benesse – um amor, uma família, uma biblioteca, um momento de felicidade, uma doença debelada, um passeio pelas du- nas de Moledo diante do mar, uma visita de amigos que se não vêem há muito.

Essa diferença diz tudo: nós, os derrotados de 1834, estamos no exílio da bem-aventuranç­a.Aminha sobrinha Maria Luísa, a eleitora esquerdist­a da família, já foi mais reticente em relação a este sentimento medíocre e já acreditou que a Humanidade tinha um destino a cumprir na direcção do Progresso e do futuro. Hoje, duvida. Na semana passada (os leitores são pessoas atentas), uma cápsula chinesa poisou no “lado oculto da Lua”; tal como Maria Luísa, aguardo revelações que possam surpreende­r-me.

OS HOMEM APRENDERAM

COM A HISTÓRIA QUE, NA VIDA, A DERROTA É A ÚNICA COISA CERTA

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