Primeiro os descrentes
Por muito que o nosso mundo ande secularizado, as igrejas mais vazias, os pais natais mais abarrotados de objectos fúteis que nem as crianças apreciam, o nosso grande e pequeno mundo não dispensa as ‘inutilidades’ que decoram o Natal e até se pretendem tomar como acontecimento central na nossa sociedade de matriz cristã. Não obstante os queixumes, sentimos a originalidade desta época e recorremos ao impossível para fazer vibrar sentimentos que andaram adormecidos durante o ano, ou melhor, sufocados pelos incensos que escolhemos para perfumar as nossas vidas. Mesmo os descrentes não conseguem fugir ao olhar duma criança despojada de tudo, em total silêncio, dando azo a que o leve rumor do íntimo das consciências possa ser escutado no meio do bulício da cidade. Um presépio, a sua simplicidade, é um grande discurso. Sabemos que foi daquele quase nada que o mundo se ergueu e que o silêncio duma criança se tornou no discurso mais exaltante da humanidade. Porque entrou no homem pelo pórtico do coração e foi ornado pela ternura. E veio do alto, de Deus. A história acontecida na noite é um pergaminho que revive todos os tempos com a certeza de que está antes e depois do tempo.
Quase diria que não é preciso ter fé para sentir que uma luz se acende para o mundo numa noite que parecia interminável mas que vê raiar a madrugada. A humanidade não mais foi a mesma depois do nascimento deste Menino. A notícia chegou até nós. E a nossa alegria interior não surge da consoada, nem da música de sonhos ou recheada de infância. É o contrário. É termos o coração sintonizado com essa harmonia, estado puro, original, da nossa existência. É admirável como a palavra Natal esconde uma infinitude de emoções que nenhum outro tempo do ano sabe expressar. É o mistério de Deus feito homem. Começando pela criança que um dia fomos. E continuamos com saudades do seu melhor: a ternura, reflexo da ternura de Deus.
É ADMIRÁVEL COMO A PALAVRA NATAL ESCONDE UMA INFINITUDE DE EMOÇÕES