Apetite de papel
É habitual as pessoas gostarem de papel, se tiver valor e, sobretudo, se forem notas. Já parece estranho alguém pedir fotocópias, adivinhando-se, contudo, em casos de uso persistente, que se trata de código para o mesmo papel-moeda. Estapafúrdio, sem dúvida, é alguém mastigar papel como Jesus, o treinador de futebol, faz com as pastilhas elásticas e, ainda mais bizarro, que o engula como se se deliciasse com o sabor a trufas.
Estes juízos resultam do caso do autarca que, há anos, abocanhou uma folha de papel durante uma busca judicial. A investigação que incluiu a peripécia levou a acusar quatro pessoas e seis empresas. O julgamento terminou na semana passada com a absolvição geral, pedida de resto pelo Ministério Público, devido à falta de provas. Não se provou nada e também não se recuperou nem um dos 4,6 milhões de euros em que os arguidos eram acusados de lesar o Estado. A realidade verificável é que, devido a este e outros prejuízos, a autarquia envolvida, Portimão, soma uma dívida acima de 120 milhões de euros, uma das maiores no poder local.
A história deste buraco com bens públicos é comum. O dinheiro desaparece como se fosse engolido por um buraco negro. Responsáveis da administração pública ou do setor privado aproveitam-se da impunidade, os reguladores negligenciam e a investigação judicial não consegue levar a carta a Garcia. A incapacidade política de melhorar o estado das coisas traduziu-se em piorar dois pontos nos Índices de Perceção da Corrupção, da Transparência Internacional. A questão é evidente: ou se trava o apetite pelo papel-moeda ou não há como melhorar o nível económico e social dos portugueses. As epidemias vêm umas atrás das outras. Lembramos Mobutu, entre muitos, e hoje escandalizamo-nos com Isabel dos Santos e quejandos nacionais. Ao lado delas, o coronavírus tem remédio mais depressa.
O DINHEIRO
DESAPARECE COMO SE FOSSE ENGOLIDO POR UM BURACO
NEGRO