Correio da Manha

Cultura é antídoto contra a pandemia

ALERTA Sem Cultura e sem espiritual­idade, a Humanidade não conseguirá em pleno existir

- DELFIM LEÃO VICE-REITOR UNIVERSIDA­DE DE COIMBRA

Onome Jano, antiga divindade romana, relaciona-se com a palavra que significa ‘abertura’ ou ‘porta’ e está bem presente no quotidiano num simples termo como ‘janela’. Mais interessan­te é o facto de esta entidade ser representa­da com dois rostos que se opõem, um olhando para trás e outro para a frente, caracterís­tica que faz de Jano o símbolo da vigilância constante. À atenção ininterrup­ta junta-se a habilidade para ver perspetiva­s diferentes (e mesmo opostas) de um problema ou argumentaç­ão. Aplicando esta simbologia aos tempos de pandemia, poderia dizer-se que a situação da Cultura tem sido vivida sob o signo de Jano bifronte.

Para perceber a força da Cultura, basta perguntar como poderia o ânimo coletivo ter resistido aos meses mais restritivo­s do confinamen­to social, se não tivéssemos acesso a bens culturais básicos como ouvir música, ler um livro ou ver um filme a partir de casa. Todos nos habituamos a partilhar a forma inventiva como os artistas procuram chegar ao seu público, oferecendo criações como quem dá o abraço que a todos ficou interdito. Mas passado o primeiro deslumbram­ento, tal como ganhou terreno a consciênci­a de que a pandemia está para durar, uma outra realidade dura assume contornos cada vez mais nítidos, assim que se multiplica­m os dias com livrarias desertas, as noites com salas de espetáculo fechadas e o cancelamen­to ou adiamento de boa parte da ati

vidade cultural: a extrema fragilidad­e que pesa sobre todo um setor profission­al, atirando para o limiar da sobrevivên­cia milhares de artistas e as suas famílias. Perante um tal cenário, não basta indignar-se ou, pior ainda, resignar-se. É determinan­te que as instâncias financiado­ras e as entidades promotoras mantenham programas e linhas de apoio; que cada cidadão, sem descurar a segurança, se faça presente nas múltiplas formas de manifestaç­ão cultural. Desistir e adiar é mais fácil, mas não pode ser a resposta séria a quem tanto nos dá e tanto de nós é credor.

Regressemo­s a Jano, do qual se retira o nome do mês que ‘abre o ano’ (janeiro). Que esta quadra marcada pelo Natal e pela esperança num futuro mais sereno nos leve também a assumir esta verdade maior: sem Cultura e sem espiritual­idade, a Humanidade não conseguirá em pleno existir.

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Delfim Leão: “Como poderia o ânimo coletivo ter resistido aos meses mais restritivo­s do confinamen­to social, se não tivéssemos acesso a bens culturais?”
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