Olhe que não, doutor!
Acampanha eleitoral está a ser bastante peculiar. A primeira particularidade, embora não original, é a ausência do Partido Socialista do debate. Circunstância digna de registo, na medida em que o PS é hoje o maior partido português, quer em termos de mandatos no parlamento e número de câmaras municipais ou juntas de freguesia a que preside, quer nas intenções de voto, expressas nas mais diferentes sondagens.
Como se explica que, com tal representatividade, o PS não tenha sido capaz de escolher um candidato que possa apoiar? Como se explica que todos os candidatos, exceto o atual Presidente (e também, à sua maneira, Vitorino Silva) descurem o eleitorado do PS numa competição desenfreada para saber quem critica o governo com mais contundência?
O mais notável, contudo, é a comum falta de capacidade dos candidatos em dizerem claramente o que pretendem para o País e qual o entendimento que têm do papel do Presidente da República. O espaço deixado vago pela falta de projeto político foi plenamente ocupado pela violência verbal e pelos ataques pessoais entre candidatos, especialmente protagonizados por Ana Gomes, Marisa Matias e, mais do que todos, André Ventura.
Nunca se viu tal coisa! Com o País à beira da guerra civil, a 6 de novembro de 1975, os líderes dos dois blocos em confronto fizeram um debate na RTP. Mário Soares acabou com as hipóteses de conquista do poder pelo PCP, eternizando-se a capitulação de Cunhal no repetido “olhe que não, doutor!”. Em contraste com os dias de hoje, durante as três horas e quarenta minutos que durou o debate não se ouviu um insulto, um ataque pessoal. Com perspetivas muito diferentes, ambos queriam construir o seu modelo de sociedade. A violência da campanha presidencial de 2021 só favorece quem nada quer construir, mas apenas destruir o que existe.
A VIOLÊNCIA DA CAMPANHA SÓ FAVORECE QUEM NADA QUER
CONSTRUIR