Sócra-quem?
Acapacidade do Partido Socialista se fazer de morto perante o furacão Sócrates seria admirável se não fosse escandalosa. José Sócrates foi o primeiro-ministro de dois governos PS, muitos dos actuais ministros e secretários de Estado, já para não falar de inúmeros deputados, partilharam activamente com ele esses tempos áureos, e todos eles, juntos, ajudaram a cunhar essa coisa a que se deu o nome de “socratismo”. É certo que o processo socialista do “apagão” de Sócrates não começou sequer com a questão judicial, começou antes, quando ele colocou o país de mãos estendidas para a troika e abandonou o poder. A partir daí, o PS fez tudo o que pôde para que o país se esquecesse dessa sua ineludível responsabilidade, e foi vê-lo a branquear afanosamente a culpa dos governos Sócrates na bancarrota do país. Agora, a estratégia é o silêncio. Só que o silêncio socialista pode disfarçar o embaraço mas não cala o comprometimento da actual cúpula do PS com o seu ex-líder todo-poderoso. Porque esse comprometimento é evidente demais, entra pelos olhos dentro de todos quantos se lembram da antiga comandita socrática. E ao contrário do que se diz, não cola o mito de que Costa conseguiu criar um cerco sanitário em torno do PS para o proteger do contágio de Sócrates, fosse com o famoso SMS aos militantes, fosse com a recusa permanente em comentar o caso, recorrendo ao velho refrão “à justiça o que é da justiça, à política blá-blá”. Até porque António Costa, há cerca de dois anos, deixou escapar que seria uma “desonra para a democracia” se Sócrates viesse a ser acusado. O certo é que os portugueses (e creio que os próprios socialistas mais do que ninguém) esperam legitimamente que o PS, ao mais alto nível, diga qualquer coisa séria e válida sobre o que se passou na passada sexta-feira, com aquela traumática decisão do juiz Ivo Rosa. Porque a desonra caiu com estrondo no Largo do Rato. Alguém devia ir, no mínimo, à varanda.