Correio da Manha

Cobardias cruéis

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AGaliza é quase Portugal. Mais do que ‘nuestros hermanos’, como o resto da Espanha, são mesmo nossos irmãos. A língua é praticamen­te a mesma, só que separada politicame­nte por muitos séculos. Daí que nos perturbe tanto o linchament­o em A Coruña de Samuel, um jovem cujo único crime foi ser um e eles serem muitos, por um bando (também jovem) que o agrediu selvaticam­ente ao longo de dezenas de metros, nem sequer parando quando ele já estava agonizante. Perdão, Samuel cometera outro crime: era homossexua­l. E foi chamado ‘maricas’ pelos corajosos e viris agressores, entre os quais havia, parece, algumas moças que também “molharam o pé na sopa”. Isto da cobardia cruel, hoje em dia, é unissexo.

Este caso lembra o de Gisberta, a transexual atirada para um poço ainda viva. Ou “atirado para um poço”, se alguém quiser tirar à vítima, mesmo depois da morte por tortura, a identidade que escolheu para si.

Lembra também o do jovem cabo-verdiano morto em Bragança, por um bando que destruiu uma vida inocente e promissora. Giovani gostava de música, e nada é tão promissor como a música.

Lembra ainda, mais recente, aliás a condenação foi agora, o assassínio do ator Bruno Candé, por um senhor zangado que não se arrependeu – e, se calhar, ainda acha que teve razão.

O padrão tem duas bifurcaçõe­s: a mais óbvia é a da ‘razão’. Todos os algozes se achavam imbuídos por uma qualquer razão. Imagino também os agentes que torturaram o cidadão ucraniano a indignarem-se: “Então o gajo suja-me a camisa? Eu até estava a pensar em deixá-lo amainar, mas agora que me cuspiu sangue para a camisa está feito comigo!”

A segunda bifurcação é a do preconceit­o. Em nenhum dos casos o preconceit­o desajudou. Nem sempre é fácil saber se foi o fator mais importante para a cobarde descarga de violência abrupta (nuns casos a matilha, noutro a pistola). Mas não desajudou.

O preconceit­o hiberna quando estamos serenos e a vida nos corre bem. Tende a aumentar quando nos sentimos mal na nossa pele e precisamos de encontrar um bode expiatório. Ora, os jovens (atenção, psicólogos do meu país) andam irrequieto­s e frustrados. Além de estarem de volta os velhos fantasmas. Espero estar errado, mas receio que a noite, por este verão fora, volte a ser perigosa.

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