Correio da Manha

Cantar de golo

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Tive pena dos miúdos ingleses que estavam cheios de esperança de a Inglaterra ganhar o Euro. Também tive pena do pequerruch­o príncipe: tinham-lhe dito que iria assistir a uma festa e, afinal, virou cerimónia fúnebre. Tive também pena dos adeptos ingleses: ninguém vibra com o futebol como os ingleses, tanto no bom como no mau sentido. Depois de mais de um ano de pandemia, mereciam aquele prémio de consolação. Animaria os ânimos, como se sói dizer.

A minha pena não durou muito. Afinal, em Itália também houve pandemia e sofreram ainda mais que a Inglaterra, além de que jogaram melhor. Depois, é ver o modo como os italianos celebram: “Amo a Itália” soa sempre romântico. “Inglaterra acima de tudo e todos”, não sei porquê, arrepia.

O mundo inteiro torcia pela Itália. E porquê? Não, não era só pela estranha tradição de enfiar foguetes no rabo e vandalizar lojas. Talvez a explicação seja mais singela: em povos como o nosso, uma vitória desportiva puxa para cima, para o pé dos outros. Ao alemão ou inglês, uma simples vitória futebolíst­ica puxa para cima de todos os outros. A diferença é subtil, mas está lá. E contra isso batatas.

Tivesse a Inglaterra ganhado o Euro e é fácil imaginar o que aconteceri­a, até porque já estava anunciado: seria A PROVA CIENTÍFICA da superiorid­ade inglesa sobre o resto do mundo, passariam os próximos anos a troçar da Comunidade Europeia (tendo saído, tinham limpado isto), mostraria a razão de ser do Brexit – e Boris, como todos os demagogos, aproveitar­ia para fazer uma ligação nada subtil entre os objetivos da sua genial governação e o golo marcado. Em inglês, a palavra para ‘objetivo’ é golo.

Muitos perguntam: “Quando é que o futebol deixou de ser só futebol?” Talvez haja uma pergunta melhor: “Quando é que o futebol foi só futebol?”

No Brasil, a queda de Dilma foi acelerada pelos 7-1 em pleno Estádio Mineirão. E agora, na final da Copa América (o Euro de lá), Bolsonaro estava com a fezada de que Neymar e companhia iam dar um empurrãozi­nho na sua presidênci­a. Tramou-se: os jogadores perderam com a Argentina. Nem sei se não foi de propósito, por saberem que a pátria precisava desse sacrifício. E, aqui na nossa terra, é tão engraçado ver os ‘anticorrup­ção’ baixarem a bola – quando toca à bola.

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