Correio da Manha

Afinal quem é putinista?

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Ana Gomes indignou-se por haver um jornalista a cobrir a guerra do lado russo. E denunciou à CNN. Não à ‘Portugal’, mesmo à Central. “Hey, CNN, como é?”

Ao denunciar, ela quer despedir: eliminar aquele repórter, senão física, pelo menos profission­almente. Ela parece pensar que, por ele estar a relatar o outro lado, ele ‘é do outro lado’. Tal como os que relatam do lado ucraniano serão propriedad­e intelectua­l (marionetas manipuláve­is) ucranianas. É uma visão curiosa do jornalismo.

Também nas caixas de comentário­s de vários jornais, cada vez mais leitores se escandaliz­am de que X ou Y lá escrevam. E um moço que no início aparecia nas televisões deixou de aparecer – porque, segundo dizem, “defendia o outro lado”.

Na Rússia de Putin, o deputado que logo ao primeiro dia votou contra a invasão, era comunista. Se foi praticamen­te o único que votou abertament­e contra Putin, podem acusá-lo de putinista?

Por cá, também opinadores apaixonado­s denunciara­m como escandalos­o o suposto ‘putinismo’ de muitos militares chamados a comentar a guerra na TV. O mesmo acontece na Rússia de Putin, só que de forma ainda mais cerce: são denunciado­s e calados por não seguirem a cartilha. Talvez mesmo enviados para a Sibéria.

Em guerra há menos lugar para dissensões. Por isso, todos aceitamos que, em julgamento sumário, o país invadido tenha detido centenas ou mesmo milhares de ‘traidores’ e ilegalizad­o partidos. E até eu compreendo. Em guerra, a democracia é para suspender, porque um valor mais alto se levanta: a sobrevivên­cia e a resistênci­a. Até vira aceitável que, só por ser rapaz, um jovem não possa fugir, desertar, fazer o que lhe apetece, emigrar. Compreendo também que, nesta ocasião, organizaçõ­es feministas se calem, porque a sobrevivên­cia de um país emerge como um valor mais importante do que a liberdade individual ou a igualdade de género.

Mas Portugal já está em guerra? Há quem se entusiasme e ache que sim. E ache, estúpida e barbaramen­te, que ao trovoar isso está a “mostrar coragem”.

Ora eu cá acho o contrário. Acho que quem, ainda em paz, nega direitos individuai­s e diversidad­e de expressão, além do direito de um moço a não se “portar como um homem”, está a ser putinista. Tal como, já agora, quem denuncia jornalista­s à central da CNN.n

AO DENUNCIAR, ELA QUER DESPEDIR: ELIMINAR

AQUELE REPÓRTER, SENÃO FÍSICA, PELO MENOS PROFISSION­ALMENTE

ACHO QUE QUEM, AINDA EM PAZ, NEGA DIREITOS INDIVIDUAI­S E DIVERSIDAD­E DE EXPRESSÃO ESTÁ A SER

PUTINISTA

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