Correio da Manha

Esse injusto mercado digital

- POR MIGUEL AZEVEDO JORNALISTA

Dizia o filósofo Alberto Camus que “sem a cultura e a liberdade que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva”. Por isso, algo de muito errado se passará quando a cultura tem de ‘mendigar’ por justiça, direitos e respeito. O mais recente episódio tem a ver com a campanha lançada pela GDA - organismo que representa os músicos, atores e bailarinos - que reclama pela remuneraçã­o justa no Mercado Único Digital (MUD). Caberá na cabeça de alguém que, segundo as contas feitas pela GDA, um músico, por exemplo, ganhe apenas dez por cento da receita que a sua obra gera online? Que as plataforma­s como a Spotify, Deezer, Apple Music ou Amazon Music ganhem 30 por cento dessa receita? E as editoras 60? Na cabeça do governo português caberá. É que Portugal já devia ter transposto para a legislação nacional a diretiva europeia dos direitos de autor e direitos conexos aprovada pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia em 2019. O atraso já levou que Bruxelas abrisse um procedimen­to por infração ao Estado português, mas até agora nada. E o problema é mais vasto. Numa sociedade materialis­ta, o problema do desprezo pelos direitos online entronca no preconceit­uoso reconhecim­ento da propriedad­e intelectua­l por ser um bem imaterial. Não se questiona que tenha que se pagar para adquirir o objeto livro, disco ou filme, mas torce-se o nariz para pagar por um texto de autor na net, comprar uma música online ou descarrega­r um filme (“está na net é do mundo”). Talvez pelo facto das obras artísticas produzirem efeitos emocionais não mensurávei­s, acabe. paradoxalm­ente, por as esvaziar de valor. Mas nada é mais errado.

NÃO SE QUESTIONA QUE TENHA QUE SE PAGAR PARA ADQUIRIR O OBJETO LIVRO, DISCO OU FILME

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