Esse injusto mercado digital
Dizia o filósofo Alberto Camus que “sem a cultura e a liberdade que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva”. Por isso, algo de muito errado se passará quando a cultura tem de ‘mendigar’ por justiça, direitos e respeito. O mais recente episódio tem a ver com a campanha lançada pela GDA - organismo que representa os músicos, atores e bailarinos - que reclama pela remuneração justa no Mercado Único Digital (MUD). Caberá na cabeça de alguém que, segundo as contas feitas pela GDA, um músico, por exemplo, ganhe apenas dez por cento da receita que a sua obra gera online? Que as plataformas como a Spotify, Deezer, Apple Music ou Amazon Music ganhem 30 por cento dessa receita? E as editoras 60? Na cabeça do governo português caberá. É que Portugal já devia ter transposto para a legislação nacional a diretiva europeia dos direitos de autor e direitos conexos aprovada pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia em 2019. O atraso já levou que Bruxelas abrisse um procedimento por infração ao Estado português, mas até agora nada. E o problema é mais vasto. Numa sociedade materialista, o problema do desprezo pelos direitos online entronca no preconceituoso reconhecimento da propriedade intelectual por ser um bem imaterial. Não se questiona que tenha que se pagar para adquirir o objeto livro, disco ou filme, mas torce-se o nariz para pagar por um texto de autor na net, comprar uma música online ou descarregar um filme (“está na net é do mundo”). Talvez pelo facto das obras artísticas produzirem efeitos emocionais não mensuráveis, acabe. paradoxalmente, por as esvaziar de valor. Mas nada é mais errado.
NÃO SE QUESTIONA QUE TENHA QUE SE PAGAR PARA ADQUIRIR O OBJETO LIVRO, DISCO OU FILME