Correio da Manha

RAIA PARA PREGUIÇOSO­S

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Na semana passada deixei a promessa de falar de raia, um dos peixes de que mais gosto. É quase uma coisa infantil: carninha branca, ausência de espinhas e aquela beleza da lasca que se levanta apenas com a ponta do garfo, sem ferir – da raia – mais do que o necessário.

Cozida ao vapor, cozida em água a ferver, frita depois de passada por uma poeira de farinha (de milho, por exemplo), grelhada ou apresentad­a na cataplana, a raia é um elemento civilizaci­onal importante que reúne a família e os amigos à volta da mesa. Cozida, é uma bênção para o aparelho digestivo; frita, um regalo para o paladar; grelhada, enfim, uma prova de sabor; na cataplana, ou alhada, ou em “modo caldeirada”, a soma de tudo isso e a prova de que a cozinha se fez para ser saborosa e acrescenta­r mão humana às dádivas da natureza e, neste caso, do vasto e profundo mar oceano – porque a raia anda sobretudo no fundo do mar e no Oceanário de Lisboa.

Há cerca de um ano propus uma alhada de raia – manjar de sábado e fim de semana, para se ir degustando devagar e em doses repetidas mas pequenas, para se saborear agora um pedaço, depois outro, até não haver mais raia nem mais molho para ensopar o pão torrado e, às vezes, nem mais lugar no estômago.

Mas há ocasiões em que não se pode nem fritar a raia (os fritos são um problema em casa), nem há tempo ou disposição para preparar a alhada ou a cataplana – e não nos apetece uma Miss Raia apenas cozida. Nesse caso, o que recomendo é que se polvilhem os pedaços de raia com sal, umas gotas de limão e um dente de alho e se resguardem durante meia hora, em podendo. Nada mais. Depois, numa travessa de ir ao forno coloca-se uma rodela de cebola por cada posta de raia (para que não pegue ao fundo), deposita-se o peixe, salpica-se com azeite e umas gotas de vinagre e cobre-se com folha de alumínio. Após quinze minutos no autêntico calor do forno, retira-se o papel, agita-se com cuidado para sol

CARNINHA BRANCA, AUSÊNCIA DE ESPINHAS

tar, e devolvemos a travessa para mais quinze minutos a ser torturada em boa temperatur­a. Sairá de lá no ponto, com pontas ligeiramen­te crestadas, fervilhand­o.

O que eu faço é servir as postas de raia no prato, na companhia de batata cozida, das rodelas de cebola que serviram de base, e de legumes “ao dente” (feijão verde, ervilhas de cortar, brócolos, tudo verde, saudável e maravilha da horta) – e ao molho que ficou na travessa junto um dente de alho e um nadinha de coentros picados, para regar o prato com abundância e maldade. Vai para a mesa já servido (empratado, como dizem na televisão, mas sem as coisas encavalita­das umas sobre as outras, porque a raia é uma senhora delicada).

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