Correio da Manha

Sermão da Santa Graça

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Há muitas interpreta­ções sobre o sacrifício de Isaac. Para quem não tem a Bíblia em dia, eu refresco a memória: Deus pediu a Abraão que Lhe sacrificas­se o filho. Coração pesado, Abraão lá ia cumprir a tarefa quando Deus envia um anjo a parar-lhe o braço: “Esquece, pá, era só um teste.” A minha tradução é, como tantas outras, mais fiel ao sentido que às palavras. Não estou a ver Deus (nem sequer um anjo) a dizer ‘pá’.

O entendimen­to mais comum é que, tivesse Abraão protegido o filho, Deus saberia que não podia confiar no homem. Há crueldades piores: os tormentos de Job foram fruto de uma aposta com Satã. Pois é: estando em toda a parte, Deus também está nos jogos de azar, até mesmo os online, que levam mais de cem mil portuguese­s a pedirem para ser bloqueados, já que o vício lhes tira a força de vontade e sozinhos não vão lá.

Agora vem a minha versão favorita: o sacrifício de Isaac não seria tanto sobre Deus como sobre algo de mais prático: a justiça. Vê a ação, não quem a faz. Julgar o ato, não quem age. E, inclusive no futebol, não ir em futebóis.

Depois, há as piadas. Abraão era surdo. Entendeu mal. Houvesse na altura IC19 e o anjo não teria chegado a tempo. Deus até teria dito, numa referência a Noé: “Só me saem bebedolas.” Ou então seria a voz do Diabo passando por Deus, e isto faz muito sentido. Afinal, ainda hoje há um sem fim de patifes que, em nome de Deus, fazem a obra do Diabo. Ao contrário de outras fés, no cristianis­mo o pior parecia já ter passado com o fim dos autos de fé, mas depois veio o escândalo da pedofilia e os que acham a vida sagrada, se antes do nascimento, adoram a pena de morte. Nos ortodoxos, há um Patriarca pró-Zelenski e outro pró-Putin. Já agora: a quem acha que os budistas são santos, lembro que o estado de Myanmar é budista.

As piadas também são para levar a sério. Pensemos nas piadas como evangelhos apócrifos. São estetoscóp­ios auscultand­o o ar do tempo. Durante a pandemia (enfim, quando ela ainda era novidade) houve imensas piadas. Se há algo que nos entreteve durante os confinamen­tos foram as piadas. Eu próprio fiz algumas, até que um anjo do Senhor me pôs a mão no ombro e informou que não tinham piada. Se eu queria gastar as minhas energias, que fosse escrever sermões.n

ABRAÃO ERA SURDO. ENTENDEU MAL. HOUVESSE NA ALTURA IC19 E O NÃO TERIA CHEGADO

A TEMPO

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