UM ARROZ DAS TERMAS
Como é que eu gosto do arroz de vitela, minhoto ou beirão e malandro? Pois que seja saboroso, que rescenda a legumes e a carne, que o caldo seja espesso e abundante, que a cor nos deixe confortáveis como diante de uma daqueles exemplos de pintura flamenga. E mais: que seja um exemplo de inocência e de amabilidade. E, finalmente, que o arroz esteja realmente no ponto.
Este último aspecto é fatal. De qualquer modo, estes recentes dias de chuva extemporâneos fizeram regressar, ao menos por instantes, o desejo de uma comida quente, calorosa e cheia de energia que nos defenda do frio do fim da tarde. Calhou-me pensar no arroz de vitela, uma das emulsões espirituais mais importantes da minha vida, que me recordam certa passagem da infância na casa dos avós e a comida da minha mãe.
A carne da aba, boa para cozer, era aproveitada nas casas de família para pratos suculentos, de cozedura média e lenta. Não é uma carne nobre, tenra e própria para carnívoros contemporâneos mas, depois de limpa, é a ideal para o arroz. Há dois processos de o preparar e escolho para hoje o mais saudável, o mais indicado para “dietas de contenção”; tudo tem a ver com o processo de a cozinhar, evitando refogados e fritos – que experimentei durante uma amável temporada de restrições alimentares: comecemos por cozer a carne em água, que deve estar em ebulição, na companhia de uma cenoura em palitos, um pequeno tronco de alho francês, dois dentes de alho e nada mais. Estamos “em dieta”. Quando a carne está quase no ponto e se pode cortar com facilidade, retira-se e guarda-se ao ar. Deve arrefecer. O caldo onde cozinho deve reservar-se; já lá vamos.
No tacho em que o arroz será servido, deponhamos um picado de cebola, uma colher de azeite e uma cenoura picada muito miúda. Deixemos que estale por um minuto apenas, sem fritar; juntemos um novo picado (muito miúdo, em cubos peque
SABOROSO, QUE RESCENDA A LEGUMES
E A CARNE
nos) de abóbora e de tomate maduro e sem pele. Dois minutos depois, é a altura de coar o caldo onde cozinhou a carne e de deixar apurar durante dez minutos em fogo lento. Juntemos então o arroz carolino, um punhado de ervilhas (frescas ou congeladas) ou da parte de fora da curgete (com a casca – aproveitando-se o miolo para a sopa), e a carne cortada em tiras e a gosto. Deve cozinhar no máximo por dez minutos, tendo em conta que é esse o tempo da cozedura do carolino. Está caldoso? Perfeito. Refresque-se com um pouco de coentro fresco. É um arroz cozinhado em pouca gordura, sem especiarias nem ervas em excesso, a que a abóbora e o tomate emprestam o creme ideal. Um fio de azeite não vai mal, na hora de servir. Aprendi a cozinhá-lo durante uma estadia nas termas.