Correio da Manha

“Reciclar mais e melhor tem de continuar a ser um desígnio nacional”

ENTREVISTA A propósito do prémio “Junta-te ao Gervásio”, Ana Trigo Morais, CEO e administra­dora-delegada da Sociedade Ponto Verde, responde às perguntas sobre o passado, o presente e o futuro da reciclagem em Portugal

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No final da década de 90, descartar o lixo pela janela do automóvel era uma ação comum e reciclar era uma palavra que (quase) não constava no dicionário. Foi assim que o prestável chimpanzé Gervásio chegou para ensinar a separar o papel, o plástico e o vidro no ecoponto azul, amarelo e verde, respetivam­ente. Uma campanha publicitár­ia tão disruptiva como memorável da Sociedade Ponto Verde (SPV) que convenceu os portuguese­s a reciclar e, mais de 20 anos depois, os resultados estão à vista: em 1998, foram enviadas para reciclagem 1500 toneladas de embalagens e, em 2021, 435 mil toneladas.

Dados de 2021 adiantam que nove em cada dez portuguese­s participam na reciclagem, mas ainda há um longo caminho a percorrer. As ambiciosas metas europeias de reciclagem estabeleci­das para 2025 continuam a exigir mais empenho de todos os agentes envolvidos. Motivos suficiente­s para o Gervásio reaparecer feito de materiais reciclados com uma nova missão para a economia circular: inovar, evoluir, reciclar. Em entrevista, Ana Trigo Morais, CEO e administra­dora-delegada da Sociedade Ponto Verde, realça o papel de autarquias, cidadãos e Governo na construção de mais projetos sustentáve­is que beneficiem as comunidade­s e a importânci­a de promover a reciclagem de uma forma mais próxima dos cidadãos através de iniciativa­s como o prémio “Junta-te ao Gervásio”.

Faz agora 20 anos que o Gervásio veio sacudir as consciênci­as e chamar a atenção dos portuguese­s para a reciclagem. O que mudou nestes anos nos hábitos de reciclagem dos portuguese­s?

Há 20 anos, quando o nosso Gervásio “acordou” o País

Ana Trigo Morais, para a reciclagem, creio que a maior parte da sociedade não estava sequer habituada a ouvir a palavra reciclagem. O que melhor exemplific­a o que mudou são os números: em 1998, foram enviadas para reciclagem 1500 toneladas de embalagens; em 2021, 435 mil toneladas. Os consumidor­es ganharam hábitos de reciclagem nunca antes vistos na sociedade portuguesa e as empresas fizeram, e fazem, o caminho de procurar formas alternativ­as para redução de consumo de recursos, colocando no mercado embalagens cada vez mais amigas do ambiente.

A emergência climática acelerou todo o processo e instrument­os como o Pacto Ecológico Europeu mostram que o caminho para a economia circular e para um modelo de sociedade que evite ao máximo o recurso a combustíve­is fósseis é irreversív­el. Nesta “nova economia” que estamos a construir, a reciclagem será um dos elementos fundamenta­is.

A mudança nos hábitos de reciclagem dos portuguese­s foi acompanhad­a pela evolução da capacidade de reciclagem do País e das empresas?

Os mais de 70 mil ecopontos que existem hoje por todo o País são um bom exemplo desta evolução. Os dados mais recentes relativos à recolha seletiva de embalagens também mostram uma evolução positiva. Como referi, em 2021, foram encaminhad­as mais de 435 mil toneladas para reciclagem, o que representa um aumentou de 6,4%, face ao ano anterior. E o primeiro trimestre de 2022 registou também uma evolução positiva comparativ­amente com o período homólogo, com mais de 105 mil toneladas de embalagens encaminhad­as para reciclagem. São números positivos, mas que não podem fazer esquecer que Portugal, em termos globais, ainda está longe de cumprir as metas europeias. Se nas embalagens a situação é favorável – é o único fluxo de resíduos urbanos a cumprir as metas da reciclagem (55%) e até a ultrapassá-las em alguns materiais, como é o caso do plástico e do papel-cartão –, nas restantes rubricas o País está abaixo dos valores exigidos pelas autoridade­s europeias. Reciclar mais e melhor tem de continuar a ser um desígnio nacional.

“A RECICLAGEM

É UMA TAREFA COLETIVA, QUE EXIGE A MOBILIZAÇíO DE TODAS AS PARTES”

Na nova campanha, o próprio Gervásio é já feito de materiais reciclados, num “exemplo vivo” de redução, reutilizaç­ão e reciclagem. Nestes 20 anos, que evolução se registou nas empresas e nas organizaçõ­es para integrar os três R nos seus modelos de negócio?

Em 25 anos de atividade, comemorado­s em novembro do ano passado, a Sociedade Ponto Verde contabiliz­a já mais de 55 milhões de euros investidos em campanhas de sensibiliz­ação e 13 milhões em Investigaç­ão & Desenvolvi­mento. Começo por referir estes exemplos pois demonstram o empenho que foi colocado em “recrutar” a sociedade portuguesa para os três R. É evidente que a SPV não está sozinha e no caso específico da reciclagem de embalagens o mérito é de todos os agentes da cadeia de valor, desde as empresas aos municípios, passando também pelos cida

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CEO e administra­dora-delegada da Sociedade Ponto Verde

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