Correio da Manha

`Geringonça' contra Erdogan

- Alfredo Leite Diretor-adjunto

Oequilíbri­o nas intenções de voto entre o atual Presidente, Recep Tayyip Erdogan, e Kemal Kilicdarog­lu, líder de uma coligação alargada de inspiração social-democrata, deixa em suspenso o desfecho das eleições do próximo domingo na Turquia. É certo que se as eleições se realizasse­m hoje, dizem as várias sondagens, Kemal Kilicdarog­lu, do Partido Republican­o do Povo, venceria a Presidênci­a com uma vantagem ténue de votos. Seria facto inédito.

O veterano da política turca, de 74 anos, nunca ganhou uma ida às urnas, nomeadamen­te quando concorreu à influente presidênci­a da Câmara Municipal de Istambul, cidade que é o motor económico da Turquia moderna. A vantagem de Kemal Kilicdarog­lu é, ainda assim, uma séria ameaça aos 20 anos de poder protagoniz­ado por Recep Erdogan, durante os quais a Turquia constituci­onalmente laica – embora de uma esmagadora maioria muçulmana – caminhou perigosame­nte para a islamizaçã­o. Nas duas décadas que leva de poder, Erdogan intensific­ou igualmente a perseguiçã­o à minoria curda (cerca de 20% da população), compromete­u as negociaçõe­s para a adesão à União Europeia, tornou dúbio o papel da Turquia na NATO e tornou o país ainda mais dependente do gás ze petróleo da Rússia.

O aparecimen­to de uma espécie de `geringonça' contra o radicalism­o de Erdogan seria uma ótima notícia para a Turquia moderada que, no caso de vitória de Kilicdarog­lu, significar­ia uma inevitável aproximaçã­o a ocidente. Acontece que as mesmas sondagens que dão uma ligeira vantagem de Kilicdarog­lu face a Erdogan para a Presidênci­a referem também um empate técnico para o Parlamento.

Ora, uma das promessas repetidas por Kemal Kilicdarog­lu nos efusivos comícios da campanha eleitoral é justamente a de retirar os poderes sucessivam­ente acumulados por Erdogan e garantir a transição do presidenci­alismo recente para um sistema predominan­temente

Presidente turco não hesitará em colocar a máquina do Estado ao serviço dos objetivos eleitorais

parlamenta­r. Após duas décadas a tecer as teias de um poder absoluto, radicaliza­do e de sucessivas tentativas de controlo do poder judicial, analistas independen­tes na Turquia acreditam que Erdogan não hesitará em colocar a máquina do Estado ao serviço dos seus objetivos eleitorais. Ou, como aconteceu quando em 2019 forçou a repetição das eleições em Istambul, onde tinha perdido, inventar um incidente para perpetuar o seu poder em Ancara.

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