`Geringonça' contra Erdogan
Oequilíbrio nas intenções de voto entre o atual Presidente, Recep Tayyip Erdogan, e Kemal Kilicdaroglu, líder de uma coligação alargada de inspiração social-democrata, deixa em suspenso o desfecho das eleições do próximo domingo na Turquia. É certo que se as eleições se realizassem hoje, dizem as várias sondagens, Kemal Kilicdaroglu, do Partido Republicano do Povo, venceria a Presidência com uma vantagem ténue de votos. Seria facto inédito.
O veterano da política turca, de 74 anos, nunca ganhou uma ida às urnas, nomeadamente quando concorreu à influente presidência da Câmara Municipal de Istambul, cidade que é o motor económico da Turquia moderna. A vantagem de Kemal Kilicdaroglu é, ainda assim, uma séria ameaça aos 20 anos de poder protagonizado por Recep Erdogan, durante os quais a Turquia constitucionalmente laica – embora de uma esmagadora maioria muçulmana – caminhou perigosamente para a islamização. Nas duas décadas que leva de poder, Erdogan intensificou igualmente a perseguição à minoria curda (cerca de 20% da população), comprometeu as negociações para a adesão à União Europeia, tornou dúbio o papel da Turquia na NATO e tornou o país ainda mais dependente do gás ze petróleo da Rússia.
O aparecimento de uma espécie de `geringonça' contra o radicalismo de Erdogan seria uma ótima notícia para a Turquia moderada que, no caso de vitória de Kilicdaroglu, significaria uma inevitável aproximação a ocidente. Acontece que as mesmas sondagens que dão uma ligeira vantagem de Kilicdaroglu face a Erdogan para a Presidência referem também um empate técnico para o Parlamento.
Ora, uma das promessas repetidas por Kemal Kilicdaroglu nos efusivos comícios da campanha eleitoral é justamente a de retirar os poderes sucessivamente acumulados por Erdogan e garantir a transição do presidencialismo recente para um sistema predominantemente
Presidente turco não hesitará em colocar a máquina do Estado ao serviço dos objetivos eleitorais
parlamentar. Após duas décadas a tecer as teias de um poder absoluto, radicalizado e de sucessivas tentativas de controlo do poder judicial, analistas independentes na Turquia acreditam que Erdogan não hesitará em colocar a máquina do Estado ao serviço dos seus objetivos eleitorais. Ou, como aconteceu quando em 2019 forçou a repetição das eleições em Istambul, onde tinha perdido, inventar um incidente para perpetuar o seu poder em Ancara.