A ARTE DE ESCOLHER UM RESTAURANTE
Não vale a pena elaborar uma tipologia de restaurantes só para chegarmos à conclusão de que há restaurantes de que gostamos e restaurantes de que não gostamos – e de que, entre os restaurantes de que não gostamos há alguns que são excepcionalmente bons mas aos quais, vá lá saber-se porquê, não aderimos totalmente. Ou seja: não sentimos por eles aquele entusiasmo que nos faz recordar um prato, um aroma, uma voz, uma luz, até um gesto de cordialidade.
Por exemplo: as casas que são tratadas como “restaurantes gourmet”. Nunca vi coisa mais chinfrim e desnecessária, só possível na boca provinciana de quem confunde o negócio dos restaurantes com a ditadura da sua arrogância. Haver um “restaurante gourmet” é um abuso de autoridade, sobretudo se o criado (como me aconteceu há pouco tempo) avança para mim a avisar que não era possível degustar um pequeno charuto no final de uma refeição, fora da sala, num terraço ou varanda onde saboreasse um álcool final – não por razões de saúde dos convivas mas porque se tratava de um “restaurante gourmet”; como se o “gourmet” fosse a um restaurante “apenas” para comer, deglutir, devorar, ingurgitar, tragar, enfim, encher a pança ou perfumar o espírito com espuma de melancia sobre carabineiros em creme de violeta. Erro crasso, redondo e definitivo. Uma pessoa de bem vai a um restaurante para comemorar uma parte da sua vida. Depois, sim, há os perfumes.
Para me vingar, gosto de restaurantes que têm esplanada e me lembram a vida simples de quem no final do jantar, com o ar tépido de uma noite de maio, se fica mais um pouco, sentado, contemplando o tempo que está para vir, sem incomodar ninguém – e o pessoal do restaurante funciona como se soubesse que cada comensal, cada visitante, vem ali em busca de uma prova de afecto que não encontrou noutro lugar, noutra vida, noutra relação afetuosa ou afetiva. Eis porque considerar a cozinha um laboratório pode resultar em literatura mas é de uma leviandade muito sacana e indigente. Se uma pessoa se senta e deglute e se exibe e se encaminha para a digestão, é uma coisa. Se uma pessoa se deixa embalar, é outra, e não contam as estrelas Michelin – o emblema na lapela, a justiça feita, a glória reconhecida. Mas nem sempre queremos as estrelas Michelin. Às vezes queremos as estrelas do céu. Não compreendo como os restaurantes portugueses não têm ainda mais esplanadas e as suas sopas são cremosas e conhecem a felicidade da concordância em vez do combate entre ingredientes que se detestam. Ah, aqueles restaurantes que ainda servem pescadinhas de rabo na boca e suculentos pargos subtraídos ao forno, pecaminosos. Da próxima vez pergunto: têm pescadinhas de rabo na boca?
NEM SEMPRE QUEREMOS AS ESTRELAS MICHELIN