O deus das pequenas coisas
Cristo morreu, Marx também e eu também já não me estou a sentir lá muito bem... Quem diria que esta piada `anarca' dos anos 70 se viria a revelar afinal uma profecia. Desde que Nietzsche matou Deus em 1882 que as sociedades laicas e democráticas procuram um substituto para o sentimento de comunidade que a religião oferecia. Durante um século, muitos julgaram vê-lo no marxismo, afinal de contas uma heresia cristã que oferecia a salvação num além comunista em vez de extra-terreno. Mas desde que os revolucionários de Maio de 68 mataram Marx e desde que a Terceira Roma, ou Moscovo, caiu em 1991, também essa promessa de salvação eterna desapareceu. Hoje, resta o panteísmo da natureza sem alterações climáticas e da vida eterna pela saúde.
Os novos pecadores são os que não vão ao ginásio, comem carne, bebem álcool, se atafulham de calorias, andam em carros a gasóleo, voam em low cost e, claro, fumam.
Todas as religiões têm os seus fariseus, isto é, os seus hipócritas, para quem a exibição da virtude é mais importante do que a sua efectiva prática. Pouco importa que as explorações agrícolas onde se cultivam as plantas de que se alimentam os veganos sejam tão ou mais anti-ecológicas do que a agricultura industrializada, que a instalação de turbinas eólicas e painéis solares destruam ecossistemas tradicionais, que as baterias dos carros eléctricos precisem de mineração destruidora da natureza, que a prática proibição de fumar tabaco vá junta com a legalização de marijuana e opiáceos. Pouco importa que a nossa sociedade seja, por padrões históricos, uma verdadeira sociedade de toxicodependentes, nós que tomamos pastilhas para tudo: para a dor de cabeça, para o joelho que dói, para adormecer, para acordar, para não estarmos deprimidos, para nos concentrarmos, para nos divertirmos, para termos uma boa performance
Os novos pecadores são os que não vão aos ginásios, comem carne, bebem álcool e, claro, fumam
sexual. O que importa é mostrar como somos virtuosos, e para isso precisamos de eleger pecadores que não se conformam.
Como dizia Tocqueville, o grande perigo das sociedades democráticas é o conformismo de cidadãos prontos a aceitar tudo e que acabam dominados por `um poder tutelar, absoluto, detalhado, regular, previdente e doce' protegendo-os deles próprios. A nova legislação do tabaco é uma mera exibição deste poder sem qualquer valor social.