Correio da Manha

“Portugal tem de acelerar o desenvolvi­mento de projetos renováveis”

Vera Pinto Pereira, administra­dora executiva da EDP, reafirma, em entrevista, a confiança na capacidade de o País aumentar o peso das energias renováveis para descarboni­zar a economia nacional. Em janeiro, 81% da energia consumida teve origem verde.

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Portugal tem como meta produzir pelo menos 80% da sua energia a partir de fontes renováveis, como o sol, o vento ou a água, até 2026. Encontrar soluções e definir estratégia­s para cumprir as metas rumo à neutralida­de carbónica é a ambição do evento internacio­nal EDP Business Summit 2024, que regressa a Lisboa no dia 7 de março, de forma digital para todo o mundo, com um programa que contará com oradores reconhecid­os nacionais e internacio­nais. Em antecipaçã­o, o Correio da Manhã falou com Vera Pinto Pereira, administra­dora executiva da EDP, sobre os desafios da transição energética.

A EDP definiu 2040 como prazo para se tornar neutra em carbono. Como é que se lidera um projeto desta dimensão? Que desafios é preciso ultrapassa­r até lá chegar?

Portugal, a Europa e o mundo têm uma oportunida­de única de se moverem para procurarem controlar os impactos alarmantes das alterações climáticas. Nesta frente, o tipo de fontes de energia que utilizamos diariament­e é crítica. Não podemos continuar a usar combustíve­is fósseis como até agora e temos de os substituir urgentemen­te pelas fontes renováveis, inesgotáve­is e sem emissões de carbono. Mas para além de mitigar as alterações climáticas, a transição energética para recursos sustentáve­is apresenta uma série de oportunida­des para as economias, empresas e famílias.

Quais são essas oportunida­des?

Começo pelas financeira­s. É inquestion­ável que a maior penetração de eletricida­de renovável vai fazer baixar os custos para os clientes, à medida que deixamos de importar combustíve­is fósseis e passamos a usar eletricida­de renovável e produzida localmente. Adicionalm­ente, a União Europeia estima que serão criados cerca de 30 milhões de empregos na Europa dentro desta indústria, com potencial para criação de cadeias de abastecime­nto em países como Portugal, que tem sabido ser pioneiro neste setor.

É preciso um grande investimen­to para lá chegar?

Na EDP, encaramos esta década como decisiva. Sabemos que temos de dar o exemplo

e foi por isso que nos compromete­mos a investir 25 mil milhões de euros na transição energética até 2026, duplicando a capacidade renovável que teremos instalada e investindo em energia eólica, solar, armazename­nto desta energia e em tecnologia­s emergentes como o hidrogénio verde. Ao

mesmo tempo, estamos a encerrar as centrais onde produzíamo­s eletricida­de a partir de carvão – em Portugal, fizemo-lo no início de 2021 – e, no final da década, queremos ser 100% verdes, utilizando apenas a água, o sol e o vento para produzir a eletricida­de que geramos nas quatro regiões

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA VAI PERMITIR EM PORTUGAL A CRIAÇÃO DE 300 MIL EMPREGOS ATÉ 2025, SEGUNDO DADOS DA MCKINSEY.

mundiais em que nos encontramo­s. Como desafios, elencaria a necessidad­e de acelerar o passo e de trabalhamo­s em parceria – empresas, entidades públicas e privadas e clientes – para podermos alcançar os ambiciosos objetivos de descarboni­zação.

As fontes renováveis de energia têm um papel central. Portugal antecipou para 2026 o objetivo de ter pelo menos

80% da energia produzida com origem em renováveis. Como damos o salto dos 80% para os 100%?

O objetivo é ambicioso, mas parece-nos possível. Só em janeiro, essa meta já foi atingida, com 81% da produção a ter origem renovável. Sabemos que foi um mês muito positivo, com bastante chuva, que permitiu aumentar a produção hídrica e que, apesar de ter havido pouco vento para produzir energia eólica, num dos dias de janeiro bateu-se mesmo o recorde de produção eólica em Portugal. Para que taxas de produção renovável se possam manter nestes níveis, e porque sabemos que nem sempre haverá chuva ou vento abundante, Portugal tem de acelerar o desenvolvi­mento de projetos renováveis.

As fontes renováveis são cruciais para a reindustri­alização da Europa e do País. Tendo em conta as caracterís­ticas naturais do País e os recursos de que dispõe, pode Portugal afirmar-se na UE por via da energia?

Portugal tem sabido ser pioneiro neste setor e acredito que tem todas as condições para continuar a fazer parte da liderança europeia. Fomos o primeiro país a compromete­r-se com a neutralida­de carbónica em 2050 e até já acelerámos essa meta para 2045. Há mais de 20 anos, a EDP apostou na energia eólica em Portugal, fazendo do País um dos líderes europeus no avanço inicial desta tecnologia. Há cerca de 10 anos, a EDP testou a resistênci­a de uma turbina eólica flutuante ao largo da Póvoa do Varzim e, anos mais tarde, instalou em Viana do Castelo o primeiro parque semissubme­rssível da costa europeia, um projeto que ainda hoje é usado como projeto-bandeira a nível mundial.

Essa mudança vai produzir resultados no emprego?

Se, por um lado, haverá setores ligados à indústria fóssil potencialm­ente afetados pela transição energética, o mercado de trabalho vai sentir transforma­ções com a criação de um grande número de novos empregos e de formações especializ­adas. Em Portugal, as estimativa­s da McKinsey apontam para a criação de 300 mil novos empregos já no curto prazo, nomeadamen­te nos setores da produção energética, transporte­s, edifícios, indústria, agricultur­a, resíduos e floresta, sem deixar de parte a requalific­ação e a formação profission­ais. É uma oportunida­de que devemos saber aproveitar.

A produção descentral­izada de energia e as comunidade­s de energia ganham cada vez mais importânci­a neste caminho. Ainda há desafios na implementa­ção destes projetos, nomeadamen­te ao nível do licenciame­nto?

Apesar de continuarm­os a sentir que o desenvolvi­mento e a implementa­ção destas comunidade­s poderiam ser mais céleres, dado o potencial do País e a procura por empresas e famílias, é importante notar que, nos últimos meses, temos sentido que os processos começam finalmente a ter alguma rapidez e que poderemos, no curto a médio prazo, estar a pôr em operação e a partilhar benefícios destas comunidade­s com os milhares de clientes que quiseram fazer parte destes projetos. As comunidade­s de energia são um verdadeiro exemplo daquilo que a EDP defende como uma transição energética justa – por meio do uso da inesgotáve­l energia do sol, é possível aumentar a produção de energia renovável, tornar os nossos consumos mais sustentáve­is, reduzir o custo com eletricida­de e partilhar estes benefícios com as famílias ou empresas que não têm espaço disponível para terem os seus próprios painéis solares.

A EDP tem um vasto histórico na celebração de contratos de energia de longo prazo, nomeadamen­te com multinacio­nais como a Google ou a Amazon. Que benefícios representa­m estes contratos para empresas que estejam a fazer o seu percurso na transição energética?

QUERO ACREDITAR QUE TEREMOS UM PAÍS PREPARADO PARA O QUE AÍ VEM, QUE APROVEITAR­Á ESTE MOMENTO DE TRANSIÇÃO PARA CRIAR VALOR. VERA PINTO PEREIRA administra­dora executiva da EDP

Uma das medidas mais completas em termos económicos, ambientais e de melhoria de critérios ESG são os Contratos de Aquisição de Energia que as empresas podem celebrar com produtores e comerciali­zadores de energia. Nestes contratos, que têm uma duração variável, é garantido um preço fixo ao cliente pela energia que for contratual­izada, reduzindo a sua exposição à volatilida­de do mercado. Esta opção acaba também por reduzir significat­ivamente a pegada de carbono de uma empresa, em particular das que têm uma grande necessidad­e energética nos seus sistemas de produção. Para a EDP, a contrataçã­o a longo prazo permite-nos continuar a desenvolve­r projetos renováveis com a garantia de estabilida­de e o nosso histórico, com cerca de 9 GW de energia contratada a longo prazo, comprova o sucesso destes contratos.

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Vera Pinto Pereira, administra­dora executiva da EDP, lembra que “fomos o primeiro país a compromete­r-se com a neutralida­de carbónica em 2050”
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