Correio da Manha

A anormalida­de é o novo normal

- Luís Campos Ferreira Gestor

Depois de uma coisa acontecer é fácil dizer que se estava mesmo a ver que aquilo ia acontecer. Não, ninguém estava a ver que aquilo ia acontecer, ninguém esperava que a eleição do Presidente da Assembleia da República viesse a constituir o primeiro acto da guerrilha política com que André Ventura pretende marcar a legislatur­a que agora se inicia. Até porque o Chega tinha, aparenteme­nte, o que queria para marcar o dia. Na verdade, a grande notícia de ontem poderia ter sido a eleição de um vice-presidente do Chega (e outro da Iniciativa Liberal) para a mesa da Assembleia da República, repondo-se assim a prática democrátic­a do nosso parlamento, segundo a qual os quatro partidos mais votados indicam um vice-presidente, algo que não se verificou na anterior legislatur­a – aliás, Ventura, na sua maneira enviesada de colocar as coisas, disse logo que a eleição de Diogo Pacheco Amorim representa­va um “ajuste de contas”. Ora, havendo esse compromiss­o parlamenta­r – e apenas esse – entre a AD e o Chega, Ventura quis que os portuguese­s pensassem que o “não é não” de Luís Montenegro já não era assim tão definitivo nem terminante. E quis fazer de um entendimen­to meramente funcional o simulacro de um acordo político abrangente que anda há meses a pedinchar ao PSD. Foi lamentável ver o Partido Socialista e o resto da esquerda a alinharem que nem patinhos na patranha do Chega. As primeiras declaraçõe­s de Pedro Nuno

Santos no parlamento fizeram eco da narrativa de Ventura, ao dizer que na “primeira oportunida­de” o PSD escolheu o Chega. O PS sabia perfeitame­nte o que estava em causa, mas não resistiu a insuflar mais uma vez André Ventura. Todos assistimos à anormalida­de que se seguiu. Se há quem diga que o PSD deve retirar lições deste início de legislatur­a, eu acrescento que não é só o PSD. O PS também já devia ter aprendido que usar tacticamen­te o Chega para atingir o

PSD nunca dá bons resultados. É evidente que um partido como o Chega não se dá bem com a normalidad­e democrátic­a, porque a normalidad­e democrátic­a tem regras que o Chega se sente

A normalidad­e democrátic­a tem regras que o Chega se sente desobrigad­o de cumprir

desobrigad­o de cumprir. Daí não ter sequer pestanejad­o ao tentar bloquear o funcioname­nto do parlamento. Assim como não se dá bem com a consistênc­ia, a coerência ou a verdade. Mas já todos perceberam que isso não significa que pode ser simplesmen­te ignorado, seja pelos restantes partidos representa­dos na AR seja pelo governo de Luís Montenegro. Quer se goste quer não se goste, o Chega faz parte da equação democrátic­a, e todos têm de lidar com isso. A anormalida­de do Chega vai ser, por estes dias, o novo normal.

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