Correio da Manha

VÍCIOS PRIVADOS

- FRANCISCO JOSÉ VIEGAS

Tenho com a bola de carne, tal como com a bola de sardinhas, uma relação tão, mas tão interessei­ra que, às vezes, a faço apenas para mim. No primeiro dia (que é ao fim da tarde de sábado ou domingo), sirvo-me de duas fatias e de um copo de vinho; no segundo, aqueço outras duas no forno e continuo a servir-me de um copo do que mais me convém; no terceiro e último faço torradas e acompanho com o meu primeiro café do dia, de cafeteira.

De resto, a minha sorte foi avariar-se-me a Bimby: fui obrigado a amassar à mão, a não juntar tudo ao mesmo tempo, a modelar a massa à minha vontade e com o meu tempo – aprendi, enfim, a fazê-la realmente com mais ou menos farinha, com mais ou menos ovos, com mais ou menos azeite ou manteiga. É uma sorte: ao contrário da doçaria e da pastelaria, fazer uma bola salgadinha requer alguma improvisaç­ão e, se não a requer propriamen­te, pelo menos autoriza-a. Para quem improvisa num arroz de tomate, improvisar numa bola de carne é só um pequeno passo adiante.

Costumo lembrar que a primeira etapa é aquela de que nos lembramos mais tarde: ligar o forno; a temperatur­a normal e recomendad­a é de 180°, mas eu costumo regular para 150 a 160°, não mais: gosto que coza por todo e, ao mesmo tempo, que fique com certa humidade interior. Prepare-se o tabuleiro, untando-o com manteiga ou azeite, e polvilhand­o-o muito ligeiramen­te com uma poeira de farinha. O outro processo também me parece mais prático: uma folha de papel vegetal para este efeito. É o que eu faço, mas pincelo o papel com um fio de azeite. Numa grande taça de cozinha, de inox, misturo a farinha (400 a 500 grs) e duas colheres de sobremesa de fermento em pó com as gemas de quatro ovos; quando começar a ligar, ao fim de dois ou três minutos, desfaço tudo e junto o azeite e uma boa pitada de sal. Amasso tudo à mão – mas pode usar-se a batedeira. Nunca me guiei pelo tempo que a operação necessita, mas pelo aspeto que a massa apresenta. É intuição e imaginação: imagino como ela vai ficar. Está fofa? Excelente. Vai ficar mais: na batedeira, ou à mão, bato as claras. Não as quero em castelo mas a meio caminho. Junto-as à massa e parece que tudo se ilumina, ficando corredia e luminosa no tabuleiro. Espalhe as carnes sobre a massa, imaginando (a imaginação é um dos pilares da cozinha) como vão ser as fatias – ou seja, distribuin­do a carne com equanimida­de. Antes das carnes (presunto, chouriço de carne e salpicão às rodelas e sem pele, frango desfiado, a escolha é sua desde que seja abundante), finas rodelas de cebola. Depois da carne, vão por cima tiras de pimento vermelho assado e pelado. E tapo tudo com o resto da massa, observando-a com cupidez durante os 40 minutos que ela ficar no forno. Depois, ainda aguento quinze minutos antes de prová-la. Mas não mais.

FAZER UMA BOLA SALGADINHA REQUER ALGUMA IMPROVISAÇ­ÃO

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