Correio da Manha

Na teatraliza­ção da guerra, o Irão saiu vencedor

- Alfredo Leite Diretor-adjunto

Éprovável que não venhamos a saber quem é que o Irão avisou – acreditand­o que o fez – do tão previsível quanto arrojado ataque contra Israel. Seria interessan­te conhecer este detalhe para avaliarmos até onde chegou o nível de teatraliza­ção da operação militar com que os ditadores em Teerão decidiram cirurgicam­ente, no final do `Shabbat' judaico, vingar o ataque de Israel contra a missão diplomátic­a do Irão na Síria.

Foi uma ofensiva sem surpresa, uma espécie de `anti-blitzkrieg', contrária à arte da guerra, mas que se explica quando dela se pretende fazer apenas espetáculo. Foi o que aconteceu, aparenteme­nte, com a ordem sem precedente­s dada pelos todo-poderosos aiatolas. Para o Mundo, revelaram-se intrépidos perante a ameaça israelita e isso foi suficiente para que a espontanei­dade encenada metesse nas ruas de Teerão fanáticos a gritar vitória e a incendiar estrelas de David.

Acontece que o ataque também serviu os interesses e o orgulho judaicos. Benjamin Netanyahu, líder de um Governo cada vez mais contestado, e seus leais escudeiros também puderam apresentar como trunfo a esmagadora interceção de, pelo menos, 170 drones e 150 mísseis balísticos e de cruzeiro disparados contra Israel. Só que esta é uma vitória pífia. Os israelitas foram obrigados a recorrer à ajuda dos EUA e do Reino Unido, que também terão contribuíd­o para neutraliza­r a fúria iraniana.

Feito o balanço desta ação – que provavelme­nte terá nova réplica de Israel –, parece claro que foi o Irão quem mais ganhou. O ataque calculista de Teerão aparenta ter sido feito em jeito de ensaio. O Irão usou neste ataque um arsenal conhecido do Ocidente, até porque parte é utilizado pelos russos na Ucrânia e, deste ponto de vista, Israel nada de novo ficou a saber sobre o armamento do inimigo histórico. Pelo contrário, os iranianos ficaram a saber como funcionou o mecanismo de defesa israelita que, para travar a chuva bélica

Ação do Irão foi um `anti-blitzkrieg' que se explica quando da guerra se pretende fazer apenas espetáculo

de sábado à noite, teve que usar toda a sofisticaç­ão do poderio antiaéreo desde a `Cúpula de Ferro' até ao `Arrow 3'.

Longe de ser apenas tática, a audácia iraniana foi sobretudo estratégic­a e Telavive vai certamente ter isso em conta quando e se decidir contra-atacar diretament­e em território do Irão. Porque agora o Exército iraniano tem um conhecimen­to da defesa judaica como provavelme­nte nenhuma força militar hostil a Israel teve até agora.

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