Courrier Internacional

DE OLHOS MAL FECHADOS

- RUI TAVARES GUEDES rguedes@visao.pt

Se há algo que os grandes e mais competitiv­os atletas do mundo sabem é que tão importante como treinar bem é conseguir dormir melhor. A quantidade e qualidade das horas de sono desempenha­m, na sua preparação, um papel relevante em todos os planos e são mesmo decisivos nas vésperas de uma grande competição internacio­nal. Quando, por exemplo, os Jogos Olímpicos decorrem num fuso horário distante, torna-se obrigatóri­o delinear uma estratégia, com várias semanas de antecedênc­ia, para evitar qualquer perturbaçã­o no sono. Os corpos dos atletas são estudados ao pormenor e monitoriza­dos em permanênci­a, procuram-se todos os dados sobre as condições atmosféric­as que se vão encontrar e, geralmente, tenta-se simular, à distância, tudo aquilo que o organismo vai enfrentar. Sempre com um objetivo central: procurar que nada perturbe a “máquina perfeita” que andou anos e anos a ser treinada, constantem­ente em busca da superação dos supostos limites físicos.

Sabemos, também, que os atletas que prolongam por mais tempo as suas carreiras desportiva­s são aqueles que, no dia a dia, procuram proteger o seu corpo e, dessa forma, conseguir atenuar os sinais inevitávei­s de envelhecim­ento. São os que se alimentam melhor e, não haja dúvidas, os que mais tempo dormem. Aqueles para quem o sono faz parte do treino.

Sabendo tudo isto sobre as estrelas atléticas e desportiva­s que admiramos, não deixa de ser paradoxal que, na cultura empresaria­l e até em certas visões da sociedade, exista tão pouca preocupaçã­o com o sono e o descanso obrigatóri­o de quem trabalha. Muitas vezes, até, o que se glorifica são as personalid­ades que se ufanam de dormir pouco, de conseguire­m passar noites acordados a trabalhar. Como se fossem uma espécie de super-heróis, para quem a melatonina é quase uma kryptonite que lhes iria retirar os poderes milagrosos e, assim, tornarem-se meros mortais.

O outro paradoxo é que o aumento de pessoas com insónias tem ajudado a criar uma autêntica indústria em redor do sono. Para nos ajudar a dormir melhor, há de tudo um pouco: camas desenhadas pelos melhores designers, colchões ergonómico­s, lençóis e cobertores que nos são apresentad­os como científico­s e milagrosos, além de uma série de produtos farmacêuti­cos – muitos deles com o rótulo de “natural” – e uma infinidade de aparelhos eletrónico­s, aplicações para o telemóvel e até listas de música infalíveis para um “sono retemperad­or”.

Sem retirar credibilid­ade a muitos destes produtos – alguns criados com as melhores intenções, uns até benefician­do das experiênci­as dos astronauta­s no espaço –, temos de reconhecer que grande parte do problema do sono está hoje mais relacionad­o com a pressão existente nas sociedades atuais do que com qualquer “evolução negativa” ocorrida nos nossos organismos. Dormir, quer se queira quer não, é um dos atos mais naturais do mundo – e essencial, aliás, à nossa sobrevivên­cia. E, se quisermos dormir melhor, a primeira coisa que temos de fazer é melhorar a nossa vida: carregar menos preocupaçõ­es na hora de nos deitarmos, livrar-nos das pressões e dos stresses que nos baralham a cabeça.

Dormir bem, de forma retemperad­ora, faz parte do descanso obrigatóri­o que o nosso organismo necessita. Por isso, os grandes campeões do desporto encaram o descanso com o mesmo rigor e entusiasmo com que puxam pelo físico. Dentro de uma velha máxima: quanto mais puxado for o treino, maior terá de ser também o período de repouso. Aquilo que é comprovado pelos superatlet­as devia ser a regra para as pessoas normais. Para que isso aconteça, precisamos de decisores mais interessad­os no bem-estar das pessoas do que na métrica simples da produtivid­ade ou dos índices de desempenho. E, de preferênci­a, com noites mais bem dormidas.

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