DE OLHOS MAL FECHADOS
Se há algo que os grandes e mais competitivos atletas do mundo sabem é que tão importante como treinar bem é conseguir dormir melhor. A quantidade e qualidade das horas de sono desempenham, na sua preparação, um papel relevante em todos os planos e são mesmo decisivos nas vésperas de uma grande competição internacional. Quando, por exemplo, os Jogos Olímpicos decorrem num fuso horário distante, torna-se obrigatório delinear uma estratégia, com várias semanas de antecedência, para evitar qualquer perturbação no sono. Os corpos dos atletas são estudados ao pormenor e monitorizados em permanência, procuram-se todos os dados sobre as condições atmosféricas que se vão encontrar e, geralmente, tenta-se simular, à distância, tudo aquilo que o organismo vai enfrentar. Sempre com um objetivo central: procurar que nada perturbe a “máquina perfeita” que andou anos e anos a ser treinada, constantemente em busca da superação dos supostos limites físicos.
Sabemos, também, que os atletas que prolongam por mais tempo as suas carreiras desportivas são aqueles que, no dia a dia, procuram proteger o seu corpo e, dessa forma, conseguir atenuar os sinais inevitáveis de envelhecimento. São os que se alimentam melhor e, não haja dúvidas, os que mais tempo dormem. Aqueles para quem o sono faz parte do treino.
Sabendo tudo isto sobre as estrelas atléticas e desportivas que admiramos, não deixa de ser paradoxal que, na cultura empresarial e até em certas visões da sociedade, exista tão pouca preocupação com o sono e o descanso obrigatório de quem trabalha. Muitas vezes, até, o que se glorifica são as personalidades que se ufanam de dormir pouco, de conseguirem passar noites acordados a trabalhar. Como se fossem uma espécie de super-heróis, para quem a melatonina é quase uma kryptonite que lhes iria retirar os poderes milagrosos e, assim, tornarem-se meros mortais.
O outro paradoxo é que o aumento de pessoas com insónias tem ajudado a criar uma autêntica indústria em redor do sono. Para nos ajudar a dormir melhor, há de tudo um pouco: camas desenhadas pelos melhores designers, colchões ergonómicos, lençóis e cobertores que nos são apresentados como científicos e milagrosos, além de uma série de produtos farmacêuticos – muitos deles com o rótulo de “natural” – e uma infinidade de aparelhos eletrónicos, aplicações para o telemóvel e até listas de música infalíveis para um “sono retemperador”.
Sem retirar credibilidade a muitos destes produtos – alguns criados com as melhores intenções, uns até beneficiando das experiências dos astronautas no espaço –, temos de reconhecer que grande parte do problema do sono está hoje mais relacionado com a pressão existente nas sociedades atuais do que com qualquer “evolução negativa” ocorrida nos nossos organismos. Dormir, quer se queira quer não, é um dos atos mais naturais do mundo – e essencial, aliás, à nossa sobrevivência. E, se quisermos dormir melhor, a primeira coisa que temos de fazer é melhorar a nossa vida: carregar menos preocupações na hora de nos deitarmos, livrar-nos das pressões e dos stresses que nos baralham a cabeça.
Dormir bem, de forma retemperadora, faz parte do descanso obrigatório que o nosso organismo necessita. Por isso, os grandes campeões do desporto encaram o descanso com o mesmo rigor e entusiasmo com que puxam pelo físico. Dentro de uma velha máxima: quanto mais puxado for o treino, maior terá de ser também o período de repouso. Aquilo que é comprovado pelos superatletas devia ser a regra para as pessoas normais. Para que isso aconteça, precisamos de decisores mais interessados no bem-estar das pessoas do que na métrica simples da produtividade ou dos índices de desempenho. E, de preferência, com noites mais bem dormidas.