Nas minas da prosperidade
Para convencer o Ocidente a explorar os recursos minerais da Mongólia, o primeiro-ministro reformista Luvsannamsrain Oyun-Erdene “lançou uma grande limpeza”
Uma descida rápida num elevador de carga chamado “a gaiola”, e eis-nos a 1 300 metros de profundidade, sob o imenso deserto de Gobi. O calor e o pó são avassaladores, tal como a sensação de claustrofobia, mas Ganbat Tuvshinbat, um engenheiro de minas, exibe um largo sorriso. “Este é o sítio mais quente da Mongólia”, diz. “Aqui, é verão, durante o ano inteiro.” A temperatura média na Mongólia é inferior a zero.
Por isso, Tuvshinbat e o empregador, a multinacional anglo-australiana Rio Tinto, têm razões de regozijo. Até ao final desta década, a empresa planeia extrair 500 mil toneladas de cobre por ano da mina de Oyu Tolgoi, o suficiente para fabricar seis milhões de veículos elétricos. Uma vez em funcionamento, será a quarta maior mina de cobre do mundo – um maná para o Estado mongol, que detém 34% da empresa.
Nunca antes a Mongólia havia recebido um investimento estrangeiro com a dimensão da mina de Oyu Tolgoi. Apesar dos contratempos e dos atrasos, o projeto é emblemático do que o Partido Popular da Mongólia considera ser o caminho para a prosperidade. O primeiro-ministro, Luvsannamsrain Oyun-Erdene, um reformista formado em Harvard [no cargo desde janeiro de 2021], tenciona autorizar as empresas mineiras ocidentais a explorar as imensas reservas de cobre, urânio e outros minerais do país, essenciais ao combate das alterações climáticas.
Muito está em jogo neste país com 3,4 milhões de habitantes, que só se libertou de um regime socialista de partido único na década de 90. Se a política de Oyun-Erdene for bem-sucedida, este país em desenvolvimento poderá beneficiar, durante muitos anos, do maná que representam os seus recursos naturais. O governo espera triplicar o PIB, de 15 mil milhões de dólares, no ano passado, para quase 50 mil milhões de dólares até 2030 e reduzir 15% da taxa de pobreza, ou seja para metade.
Estes projetos cumprem também outro objetivo. Uma vaga de investimentos ocidentais prometeria proteger Ulan Bator de Pequim e de Moscovo, os dois únicos vizinhos, dos quais este país sem litoral é extremamente dependente: a China representa 84% das exportações, nomeadamente de cobre e de carvão, e a Rússia cerca de 30% das importações, incluindo todos os produtos petrolíferos.
“A Mongólia tem de lutar para proteger a democracia. A nossa situação geográfica e geopolítica é muito delicada”, confessa Oyun-Erdene ao Financial Times. Oyun
-Erdene exorta os investidores a “estudar atentamente a questão”, por forma a compreenderem os desafios específicos que o país enfrenta.
Oyun-Erdene está consciente de que está perante uma oportunidade rara. Os compromissos internacionais em matéria de clima promovem uma transição histórica para as tecnologias limpas, alimentando ao mesmo tempo uma corrida frenética de empresas e governos de todo o mundo para garantirem o acesso sustentável aos minerais. Locais, até à data considerados demasiado isolados ou arriscados para serem explorados, estão agora no centro das atenções.
No entanto, para conquistar os investidores, Oyun-Erdene tem de convencê-los de que os dias das políticas complicadas e da corrupção em grande escala acabaram. Terá também de apaziguar os receios de conflito entre a exploração mineira e as tradições nómadas do país e de responder às críticas dos ambientalistas. Por fim, terá de ultrapassar uma falta desesperada de dados geológicos modernos.
Por forma a apresentar o país como um destino seguro para as empresas mineiras ocidentais, Oyun-Erdene deu início a um importante exercício de limpeza: reformas constitucionais e judiciais abrangentes, luta contra a corrupção e revisão das políticas e regulamentos, que regem os recursos naturais. “O nosso principal objetivo, neste momento, centra-se na transparência”, explica. “Depois disso, podemos discutir o investimento estrangeiro e os países com os quais podemos cooperar.”
O primeiro-ministro não é o primeiro dirigente mongol a ter estas ambições. Resta saber se será capaz de concretizá-las.
Campanha contra a corrupção
Oyun-Erdene estava a meio do primeiro mandato quando enfrentou o seu maior teste. Em dezembro de 2022, sob temperaturas negativas, saiu do palácio presidencial e deparou com a maior manifestação a que o país tinha assistido desde a revolução democrática, 30 anos antes. Os números oficiais haviam acabado de ser publicados, confirmando o que muitos manifestantes, reunidos na Praça Sükhbaatar, há muito suspeitavam: a corrupção gangrenava a indústria do carvão nacionalizada. Milhares de milhões de dólares tinham sido desviados, incluindo por membros do parlamento.
Perante os protestos, tanto dentro como fora da Mongólia, e decidido a não contrair empréstimos no estrangeiro, Oyun-Erdene definiu uma prioridade para o programa económico: fazer da Mongólia um destino para os investidores. Encarregou o ministro da Justiça, Khishgee Nyambaatar, o seu braço-direito, de lançar uma campanha agressiva contra a corrupção. Dezassete pessoas foram extraditadas para a Mongólia para serem julgadas, e o país pediu à Interpol que emitisse alerta vermelhos para 92 outras.
Uma reforma constitucional, adotada em maio último, aumentou o número de deputados, que passaram de 76 para 126, e introduziu um sistema de voto proporcional misto: 78 deputados serão eleitos [por sufrágio universal] em círculos eleitorais, sendo os restantes eleitos em função dos votos obtidos por cada partido. O objetivo deste novo sistema, semelhante ao da Alemanha e ao da Nova Zelândia, passa por reforçar o controlo do governo e aumentar a representação da sociedade civil. Simultaneamente, foram introduzidas novas regras sobre a nomeação e demissão de juízes, a obrigação de prestar informações, a proteção dos denunciantes, a governação das empresas públicas e o controlo do financiamento dos partidos políticos.
Tudo isto mostra que a Mongólia está “a caminhar na direção certa”, garante o ministro da Justiça. “Algumas informações costumavam ser secretas, por exemplo o processo de licenciamento, a atribuição de terrenos e os empréstimos concessionais [em condições preferenciais], o que provocava raiva e frustração entre os concidadãos, afirma. Além disso, pensamos agora que o Estado deve reduzir a intervenção em muitos setores económicos.”
Embora seja ainda muito cedo para saber se estas reformas vão vingar, há sinais de que a mensagem de Oyun-Erdene está a começar a dar resultados. Centenas de investidores, representantes do setor mineiro, diplomatas e políticos participaram na festa anual de Naadam [que celebra a independência do país da China], a 10 de julho, no Shangri-La, um hotel de luxo no centro de Ulan Bator. A presença destas personalidades foi vista como prova de um interesse renovado nos recursos naturais da Mongólia.
De acordo com Megan Clark, especialista em minerais, que preside ao conselho consultivo da Agência Espacial Australiana, a Mongólia é “muito rica”
em reservas minerais. Tem um grande potencial em cobre, urânio e terras raras e poderá verificar-se o aparecimento de “novas indústrias de nicho” no processamento de materiais de alta tecnologia. Os defensores da energia nuclear estão igualmente otimistas quanto ao potencial do país a longo prazo. Olivier Thoumyre, representante do grupo francês Orano, que está a desenvolver a primeira mina de urânio na Mongólia, considera que “é uma grande fonte de diversificação para a Mongólia...” e que “a crise climática deu, incontestavelmente, um novo impulso à energia nuclear”.
Na realidade, os garimpeiros que se deslocam até à Mongólia deparam rapidamente com toneladas de sondagens que remontam à era soviética e que se referiam ao carvão e ao ouro, mas a profundidades relativamente reduzidas. Assim, embora o país seja apresentado como uma terra virgem com um enorme potencial, a falta de dados é um grande obstáculo: as empresas mineiras têm de começar do zero.
A Mongólia, devido ao potencial, é muitas vezes comparada à Coreia do Sul e ao caminho que esta tomou para se tornar um peso-pesado no fabrico de produtos eletrónicos. Na década de 70, a Coreia do Sul “tinha muito pouca produção de energia... não tinha mercado industrial e muito pouco acesso ao capital”, recorda Dominic Barton, antigo executivo da McKinsey e antigo diplomata canadiano na China, atualmente à frente da Rio Tinto.
“Tudo leva a crer que a Mongólia poderá transformar-se da mesma forma, nos próximos 30 anos.”
Tensões políticas
Mas, ao voltar-se para o Ocidente, para impulsionar o crescimento, a Mongólia deve também ter cuidado para não inflamar as tensões geopolíticas. E esta cautela ficou bem clara em 27 de junho, em Pequim, quando Oyun-Erdene foi recebido, no Palácio da Assembleia do Povo, pelo Presidente chinês Xi Jinping. Desta visita resultou um acordo, que triplica o número de postos fronteiriços entre os dois países, e a abertura de negociações sobre o acesso ao porto de Tianjin, a sudeste da capital chinesa. No mesmo dia, a Mongólia assinava um memorando de entendimento com o subsecretário de Estado do Ambiente norte-americano, José
Fernandez, relativo a uma parceria para o fornecimento de minerais essenciais.
Estes acordos simultâneos com os Estados Unidos da América e a China demonstram o pragmatismo do dirigente mongol, segundo os diplomatas. Foi no âmbito desta estratégia que a Mongólia se absteve na votação das resoluções das Nações Unidas sobre a Ucrânia. Para Leif-Eric Easley, professor de Estudos Internacionais na Universidade Ewha para Mulheres, em Seul, a melhor maneira de a Mongólia se proteger de Moscovo e de Pequim é atrair investidores. “O fator-chave para Ulan Bator é um governo democrático, que mostre aos parceiros diplomáticos e às organizações internacionais que a determinação mongol em fazer reformas é genuína”, precisa.
Em Ulan Bator, a urgência é palpável. Três anos de restrições comerciais, ao longo dos 4 630 quilómetros de fronteira com a China, devido à pandemia, destruíram uma economia já de si frágil. A invasão russa da Ucrânia esfriou, depois, todas as esperanças de uma recuperação vigorosa – a inflação atingiu uma média de 15%, no ano passado. O início das operações na mina subterrânea de Oyu Tolgoi, em março, deverá impulsionar a economia, permitindo um crescimento de 4,7%, em 2022, para 5,2%, neste ano.
No entanto, os altos e baixos da mina de Oyu Tolgoi denunciam as dificuldades que se avizinham. Em 2001, a descoberta destas reservas de cobre entusiasmou a indústria mineira mundial. Mas, desde então, o projeto estagnou, com derrapagens orçamentais de milhares de milhões de dólares, anos de atrasos e uma relação por vezes tóxica entre Ulan Bator e a Rio Tinto, inclusive durante a presidência de Jean-Sébastien Jacques, de 2016 a 2020. O sucessor, Jakob Stausholm, procurou suavizar a situação, nomeadamente com um acordo para anular 2,3 mil milhões de dólares de dívidas do Estado mongol. A Rio Tinto assumiu também parte do controlo das operações da empresa canadiana Turquoise Hill, que explora a mina.
Embora a saga da mina de Oyu Tolgoi seja, no essencial, anterior ao mandato de Oyun-Erdene, o primeiro-ministro considera que estas peripécias sublinham a necessidade de transparência e de rigor nos estudos de viabilidade e nos planos de financiamento e está determinado a garantir que a História não se repete: “Já aprendemos as nossas lições.”
A Mongólia é “muito rica” em reservas minerais. Tem um grande potencial em cobre, urânio e terras raras, e poderá verificar-se o aparecimento de “novas indústrias de nicho” no processamento de materiais de alta tecnologia