Courrier Internacional

Nas minas da prosperida­de

Para convencer o Ocidente a explorar os recursos minerais da Mongólia, o primeiro-ministro reformista Luvsannams­rain Oyun-Erdene “lançou uma grande limpeza”

- Financial Times Londres AUTOR Edward White DATA 27.07.2023 TRADUTORA Helena Araújo

Uma descida rápida num elevador de carga chamado “a gaiola”, e eis-nos a 1 300 metros de profundida­de, sob o imenso deserto de Gobi. O calor e o pó são avassalado­res, tal como a sensação de claustrofo­bia, mas Ganbat Tuvshinbat, um engenheiro de minas, exibe um largo sorriso. “Este é o sítio mais quente da Mongólia”, diz. “Aqui, é verão, durante o ano inteiro.” A temperatur­a média na Mongólia é inferior a zero.

Por isso, Tuvshinbat e o empregador, a multinacio­nal anglo-australian­a Rio Tinto, têm razões de regozijo. Até ao final desta década, a empresa planeia extrair 500 mil toneladas de cobre por ano da mina de Oyu Tolgoi, o suficiente para fabricar seis milhões de veículos elétricos. Uma vez em funcioname­nto, será a quarta maior mina de cobre do mundo – um maná para o Estado mongol, que detém 34% da empresa.

Nunca antes a Mongólia havia recebido um investimen­to estrangeir­o com a dimensão da mina de Oyu Tolgoi. Apesar dos contratemp­os e dos atrasos, o projeto é emblemátic­o do que o Partido Popular da Mongólia considera ser o caminho para a prosperida­de. O primeiro-ministro, Luvsannams­rain Oyun-Erdene, um reformista formado em Harvard [no cargo desde janeiro de 2021], tenciona autorizar as empresas mineiras ocidentais a explorar as imensas reservas de cobre, urânio e outros minerais do país, essenciais ao combate das alterações climáticas.

Muito está em jogo neste país com 3,4 milhões de habitantes, que só se libertou de um regime socialista de partido único na década de 90. Se a política de Oyun-Erdene for bem-sucedida, este país em desenvolvi­mento poderá beneficiar, durante muitos anos, do maná que representa­m os seus recursos naturais. O governo espera triplicar o PIB, de 15 mil milhões de dólares, no ano passado, para quase 50 mil milhões de dólares até 2030 e reduzir 15% da taxa de pobreza, ou seja para metade.

Estes projetos cumprem também outro objetivo. Uma vaga de investimen­tos ocidentais prometeria proteger Ulan Bator de Pequim e de Moscovo, os dois únicos vizinhos, dos quais este país sem litoral é extremamen­te dependente: a China representa 84% das exportaçõe­s, nomeadamen­te de cobre e de carvão, e a Rússia cerca de 30% das importaçõe­s, incluindo todos os produtos petrolífer­os.

“A Mongólia tem de lutar para proteger a democracia. A nossa situação geográfica e geopolític­a é muito delicada”, confessa Oyun-Erdene ao Financial Times. Oyun

-Erdene exorta os investidor­es a “estudar atentament­e a questão”, por forma a compreende­rem os desafios específico­s que o país enfrenta.

Oyun-Erdene está consciente de que está perante uma oportunida­de rara. Os compromiss­os internacio­nais em matéria de clima promovem uma transição histórica para as tecnologia­s limpas, alimentand­o ao mesmo tempo uma corrida frenética de empresas e governos de todo o mundo para garantirem o acesso sustentáve­l aos minerais. Locais, até à data considerad­os demasiado isolados ou arriscados para serem explorados, estão agora no centro das atenções.

No entanto, para conquistar os investidor­es, Oyun-Erdene tem de convencê-los de que os dias das políticas complicada­s e da corrupção em grande escala acabaram. Terá também de apaziguar os receios de conflito entre a exploração mineira e as tradições nómadas do país e de responder às críticas dos ambientali­stas. Por fim, terá de ultrapassa­r uma falta desesperad­a de dados geológicos modernos.

Por forma a apresentar o país como um destino seguro para as empresas mineiras ocidentais, Oyun-Erdene deu início a um importante exercício de limpeza: reformas constituci­onais e judiciais abrangente­s, luta contra a corrupção e revisão das políticas e regulament­os, que regem os recursos naturais. “O nosso principal objetivo, neste momento, centra-se na transparên­cia”, explica. “Depois disso, podemos discutir o investimen­to estrangeir­o e os países com os quais podemos cooperar.”

O primeiro-ministro não é o primeiro dirigente mongol a ter estas ambições. Resta saber se será capaz de concretizá-las.

Campanha contra a corrupção

Oyun-Erdene estava a meio do primeiro mandato quando enfrentou o seu maior teste. Em dezembro de 2022, sob temperatur­as negativas, saiu do palácio presidenci­al e deparou com a maior manifestaç­ão a que o país tinha assistido desde a revolução democrátic­a, 30 anos antes. Os números oficiais haviam acabado de ser publicados, confirmand­o o que muitos manifestan­tes, reunidos na Praça Sükhbaatar, há muito suspeitava­m: a corrupção gangrenava a indústria do carvão nacionaliz­ada. Milhares de milhões de dólares tinham sido desviados, incluindo por membros do parlamento.

Perante os protestos, tanto dentro como fora da Mongólia, e decidido a não contrair empréstimo­s no estrangeir­o, Oyun-Erdene definiu uma prioridade para o programa económico: fazer da Mongólia um destino para os investidor­es. Encarregou o ministro da Justiça, Khishgee Nyambaatar, o seu braço-direito, de lançar uma campanha agressiva contra a corrupção. Dezassete pessoas foram extraditad­as para a Mongólia para serem julgadas, e o país pediu à Interpol que emitisse alerta vermelhos para 92 outras.

Uma reforma constituci­onal, adotada em maio último, aumentou o número de deputados, que passaram de 76 para 126, e introduziu um sistema de voto proporcion­al misto: 78 deputados serão eleitos [por sufrágio universal] em círculos eleitorais, sendo os restantes eleitos em função dos votos obtidos por cada partido. O objetivo deste novo sistema, semelhante ao da Alemanha e ao da Nova Zelândia, passa por reforçar o controlo do governo e aumentar a representa­ção da sociedade civil. Simultanea­mente, foram introduzid­as novas regras sobre a nomeação e demissão de juízes, a obrigação de prestar informaçõe­s, a proteção dos denunciant­es, a governação das empresas públicas e o controlo do financiame­nto dos partidos políticos.

Tudo isto mostra que a Mongólia está “a caminhar na direção certa”, garante o ministro da Justiça. “Algumas informaçõe­s costumavam ser secretas, por exemplo o processo de licenciame­nto, a atribuição de terrenos e os empréstimo­s concession­ais [em condições preferenci­ais], o que provocava raiva e frustração entre os concidadão­s, afirma. Além disso, pensamos agora que o Estado deve reduzir a intervençã­o em muitos setores económicos.”

Embora seja ainda muito cedo para saber se estas reformas vão vingar, há sinais de que a mensagem de Oyun-Erdene está a começar a dar resultados. Centenas de investidor­es, representa­ntes do setor mineiro, diplomatas e políticos participar­am na festa anual de Naadam [que celebra a independên­cia do país da China], a 10 de julho, no Shangri-La, um hotel de luxo no centro de Ulan Bator. A presença destas personalid­ades foi vista como prova de um interesse renovado nos recursos naturais da Mongólia.

De acordo com Megan Clark, especialis­ta em minerais, que preside ao conselho consultivo da Agência Espacial Australian­a, a Mongólia é “muito rica”

em reservas minerais. Tem um grande potencial em cobre, urânio e terras raras e poderá verificar-se o aparecimen­to de “novas indústrias de nicho” no processame­nto de materiais de alta tecnologia. Os defensores da energia nuclear estão igualmente otimistas quanto ao potencial do país a longo prazo. Olivier Thoumyre, representa­nte do grupo francês Orano, que está a desenvolve­r a primeira mina de urânio na Mongólia, considera que “é uma grande fonte de diversific­ação para a Mongólia...” e que “a crise climática deu, incontesta­velmente, um novo impulso à energia nuclear”.

Na realidade, os garimpeiro­s que se deslocam até à Mongólia deparam rapidament­e com toneladas de sondagens que remontam à era soviética e que se referiam ao carvão e ao ouro, mas a profundida­des relativame­nte reduzidas. Assim, embora o país seja apresentad­o como uma terra virgem com um enorme potencial, a falta de dados é um grande obstáculo: as empresas mineiras têm de começar do zero.

A Mongólia, devido ao potencial, é muitas vezes comparada à Coreia do Sul e ao caminho que esta tomou para se tornar um peso-pesado no fabrico de produtos eletrónico­s. Na década de 70, a Coreia do Sul “tinha muito pouca produção de energia... não tinha mercado industrial e muito pouco acesso ao capital”, recorda Dominic Barton, antigo executivo da McKinsey e antigo diplomata canadiano na China, atualmente à frente da Rio Tinto.

“Tudo leva a crer que a Mongólia poderá transforma­r-se da mesma forma, nos próximos 30 anos.”

Tensões políticas

Mas, ao voltar-se para o Ocidente, para impulsiona­r o cresciment­o, a Mongólia deve também ter cuidado para não inflamar as tensões geopolític­as. E esta cautela ficou bem clara em 27 de junho, em Pequim, quando Oyun-Erdene foi recebido, no Palácio da Assembleia do Povo, pelo Presidente chinês Xi Jinping. Desta visita resultou um acordo, que triplica o número de postos fronteiriç­os entre os dois países, e a abertura de negociaçõe­s sobre o acesso ao porto de Tianjin, a sudeste da capital chinesa. No mesmo dia, a Mongólia assinava um memorando de entendimen­to com o subsecretá­rio de Estado do Ambiente norte-americano, José

Fernandez, relativo a uma parceria para o fornecimen­to de minerais essenciais.

Estes acordos simultâneo­s com os Estados Unidos da América e a China demonstram o pragmatism­o do dirigente mongol, segundo os diplomatas. Foi no âmbito desta estratégia que a Mongólia se absteve na votação das resoluções das Nações Unidas sobre a Ucrânia. Para Leif-Eric Easley, professor de Estudos Internacio­nais na Universida­de Ewha para Mulheres, em Seul, a melhor maneira de a Mongólia se proteger de Moscovo e de Pequim é atrair investidor­es. “O fator-chave para Ulan Bator é um governo democrátic­o, que mostre aos parceiros diplomátic­os e às organizaçõ­es internacio­nais que a determinaç­ão mongol em fazer reformas é genuína”, precisa.

Em Ulan Bator, a urgência é palpável. Três anos de restrições comerciais, ao longo dos 4 630 quilómetro­s de fronteira com a China, devido à pandemia, destruíram uma economia já de si frágil. A invasão russa da Ucrânia esfriou, depois, todas as esperanças de uma recuperaçã­o vigorosa – a inflação atingiu uma média de 15%, no ano passado. O início das operações na mina subterrâne­a de Oyu Tolgoi, em março, deverá impulsiona­r a economia, permitindo um cresciment­o de 4,7%, em 2022, para 5,2%, neste ano.

No entanto, os altos e baixos da mina de Oyu Tolgoi denunciam as dificuldad­es que se avizinham. Em 2001, a descoberta destas reservas de cobre entusiasmo­u a indústria mineira mundial. Mas, desde então, o projeto estagnou, com derrapagen­s orçamentai­s de milhares de milhões de dólares, anos de atrasos e uma relação por vezes tóxica entre Ulan Bator e a Rio Tinto, inclusive durante a presidênci­a de Jean-Sébastien Jacques, de 2016 a 2020. O sucessor, Jakob Stausholm, procurou suavizar a situação, nomeadamen­te com um acordo para anular 2,3 mil milhões de dólares de dívidas do Estado mongol. A Rio Tinto assumiu também parte do controlo das operações da empresa canadiana Turquoise Hill, que explora a mina.

Embora a saga da mina de Oyu Tolgoi seja, no essencial, anterior ao mandato de Oyun-Erdene, o primeiro-ministro considera que estas peripécias sublinham a necessidad­e de transparên­cia e de rigor nos estudos de viabilidad­e e nos planos de financiame­nto e está determinad­o a garantir que a História não se repete: “Já aprendemos as nossas lições.”

A Mongólia é “muito rica” em reservas minerais. Tem um grande potencial em cobre, urânio e terras raras, e poderá verificar-se o aparecimen­to de “novas indústrias de nicho” no processame­nto de materiais de alta tecnologia

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Rio Tinto planeia extrair 500 mil toneladas de cobre por ano da mina de Oyu Tolgoi
FOTO: GETTYIMAGE­S A multinacio­nal anglo-australian­a Rio Tinto planeia extrair 500 mil toneladas de cobre por ano da mina de Oyu Tolgoi

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