A arte subversiva de se dormir bem
O descanso sempre foi uma fonte de inspiração para os artistas. Uma nova geração está comprometida a apropriar-se mais uma vez deste tema, que considera eminentemente político
Nesta tarde de maio, no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), numa pequena galeria a dois passos do átrio, onde a multidão se aglomera para ver os quadros de Ellsworth Kelly, há uma dúzia de pessoas estendidas ao comprido. Estes visitantes ocuparam o seu lugar, horizontalmente, em camas redondas, pontilhadas por colchas tie-dye, e em tapetes com as palavras Rest in power [numa alusão à expressão “Repouse em paz”]. Uma música de meditação invade o local com um suave zumbido. Uma das camas balança suavemente, como um barco no mar. Alguns visitantes percorrem os conteúdos nos ecrãs dos seus telemóveis, mas a maioria está a dormir.
Esta instalação é uma obra criada em 2023 por Navild Acosta, de 27 anos, e Fannie Sosa, de 29, que estão por detrás de uma série, que alguns poderão classificar como antiperformance, com o título Black Power Naps [Sestas Black Power]. Estes artistas multimédia embarcaram neste projeto em resposta a vários estudos científicos, incluindo um artigo publicado, em 2015, na revista científica Sleep. Os afro-americanos, mostram as pesquisas, têm cinco vezes mais probabilidades de sofrerem de privação de sono (menos de seis horas por noite) do que os seus compatriotas brancos.
Embora o MoMA quisesse que estas sestas Black Power estivessem abertas ao maior número possível de pessoas, com entradas gratuitas disponíveis todos os dias [de janeiro a maio de 2023], os criadores conceberam o trabalho especificamente para os visitantes negros. Um cartaz à entrada anuncia:
“Se vir uma pessoa negra a descansar, não chame a polícia!”
Em março, os funcionários do museu pediram à artista ganesa Heather Agyepong que abandonasse o local, depois de outro visitante ter denunciado a sua “agressividade” [ela tinha frisado que a performance se destinava sobretudo ao público negro] – uma decisão que levou o museu a pedir desculpa mais tarde. Aquando da visita da instalação a Madrid, um grupo de homens brancos destruiu esculturas e estripou as almofadas. Alguns críticos conservadores acusaram Navild Acosta e Fannie Sosa de racismo.
Mas a criação de Black Power Naps faz parte de um movimento mais alargado de reanálise da nossa relação com o trabalho. Na China, o movimento Tang Ping, que incentiva os jovens a reduzir o tempo que passam no trabalho, cresceu, desde 2021, a ponto de suscitar uma repreensão oficial por parte do Presidente Xi Jinping. Também nos Estados Unidos da América, em 2022, um número recorde de trabalhadores demitiu-se. Já ninguém se orgulha de ser workaholic. Por isso, é natural que os artistas questionem: “E se não fizéssemos... nada?”
Apelo à inércia
É um facto que, ao longo da História, a escolha da inação foi sempre uma prerrogativa dos privilegiados. As indústrias de luxo e de bem-estar valorizam o sono, que também é frequentemente visto como uma das chaves para o sucesso no local de trabalho. Basta recordar o título do livro em que Arianna Huffington se propôs, ao melhorar o nosso sono, a ajudar-nos a ser mais produtivos: A Revolução do Sono. Transforme a Sua Vida, Uma Noite de Cada Vez (ed. Matéria-Prima).
Depois veio a pandemia, que perturbou gravemente as nossas noites de sono e os nossos dias de trabalho. Artistas e instituições como o MoMA fazem do descanso um ato revolucionário, e não é por acaso que isto acontece exatamente quando a própria ideia de produtividade está a ser repensada. A ação já não é considerada necessária, e é mesmo encarada com desconfiança, como ilustram os trabalhos das pintoras norte-americanas Jennifer Packer e Alina Perez que, há muito adeptas de figuras deitadas e sonolentas, adotaram recentemente uma paleta de cores saturadas mais sugestiva de um estado de paz, quase onírico.
Esta tendência também pode ser vista no trabalho da artista norte-americana Tricia Hersey: fundou o Nap Ministry [Ministério da Sesta], que promove o sono como uma ferramenta para a libertação negra. Há também a coreógrafa porto-riquenha Nibia Pastrana Santiago, conhecida pelo manifesto The Lazy Dancer [O Dançarino Preguiçoso], uma espécie de apelo à inércia, perante um público exausto.
Embora esta rejeição do trabalho sem parar seja um fenómeno bastante recente, há séculos que os artistas ocidentais retratam os seus semelhantes em repouso. Matisse, Modigliani, Picasso e Van Gogh, entre outros, produziram um ou mais nus deitados. Em 1972, Bed Piece,[Peça de Cama], do artista norte-americano Chris Burden, era uma performance baseada no sono, em que o autor se mostrava a dormir durante as horas de trabalho, por 22 dias consecutivos, numa galeria de arte quase vazia em Veneza, na Califórnia.
A imobilidade é também um ato há muito defendido pelos movimentos de resistência. São disso exemplos os sit-ins, die-ins e bed-ins, que, na década de 1960, Yoko Ono e John Lennon tornaram famosos, e explorados pela investigadora e autora Franny Nudelman, no livro Fighting Sleep (2019). [Nele, analisa-se a batalha pelo sono como uma luta pelo poder no Ocidente pós-1945].
Hoje, os artistas dão continuidade a esta tradição antiga, adaptando-a às exigências dos tempos: a esfera pessoal é cada vez mais política, e o cuidado que uma pessoa dedica a si própria é visto como uma importante dimensão de ativismo a longo prazo. Estar a dormir, e ainda mais em público, significa expor a vulnerabilidade, mas também reivindicar a dignidade e assumir a responsabilidade, não de o fazer, mas de o ser.
ARTISTAS E INSTITUIÇÕES COMO O MOMA FAZEM DO DESCANSO UM ATO REVOLUCIONÁRIO, E NÃO É POR ACASO QUE ISTO ACONTECE EXATAMENTE QUANDO A PRÓPRIA IDEIA DE PRODUTIVIDADE ESTÁ A SER REPENSADA. A AÇÃO JÁ NÃO É CONSIDERADA NECESSÁRIA E É MESMO ENCARADA COM DESCONFIANÇA