Courrier Internacional

No delta do Mekong, a água salgada prejudica as culturas

No Sul do Vietname, a salinidade da água nos campos de arroz está a obrigar cada vez mais agricultor­es a optar por outras culturas

- AUTORA Noël van Bemmel de Volkskrant Amesterdão DATA 07.10.2023 TRADUTORA Helena Araújo

Os antigos campos de arroz de Dinh Cong Chien assemelham-se a uma selva. Onde outrora os caules verdes se erguiam sobre a água cintilante do vasto delta do Mekong, existe agora um denso pomar de carambolas, mangas e maçãs amarelas. Num barco de madeira, o agricultor de 63 anos atravessa a rede de pequenos canais para verificar a sua colheita. “Toda a aldeia passou a dedicar-se à fruta. Não tivemos escolha quando, em 2016, a água começou a ficar amarelada.”

Nessa altura, bastou-lhe pôr uma gota na língua para confirmar os seus receios: a água estava salgada. “O durião foi a primeira árvore a murchar. Depois, pouco a pouco, as plantas de arroz ficaram amarelas e acabaram por morrer também.” Dinh Cong Chien estima atualmente que o teor de sal é de 0,5% (o limiar da água salobra). Aponta para um grande tubo que sai de um dique lamacento. “A 4%, recebo uma notificaçã­o no meu telemóvel e tenho de me apressar a fechar a comporta. Caso contrário, as minhas árvores de fruto também morrem.”

Por todo o planeta, os agricultor­es estão a ter de se adaptar às perturbaçõ­es climáticas. Mas em nenhum outro lugar os seus efeitos parecem ser tão rápidos e abrangente­s como no delta do Mekong. Esta região agrária do Sul do Vietname, do tamanho dos Países Baixos, desempenha um papel central no abastecime­nto alimentar de toda a Ásia. O país, o terceiro maior exportador de arroz do mundo, fornece milhões de toneladas a países como as Filipinas e a China. Mas o seu delta está literalmen­te a afundar-se: o solo baixa quatro centímetro­s por ano. Desde há cerca de dez anos, as secas, as inundações e a salinizaçã­o ameaçam o seu equilíbrio. Esta tendência deve-se em parte à atividade humana. Vários centros de investigaç­ão e organizaçõ­es humanitári­as de todo o mundo estão a estudar as causas exatas e a propor várias soluções.

“O tempo está estranho”, diz Duon Truong Giang, 34 anos, à porta da sua casa junto ao mar. “Sabe que aqui os tornados já danificara­m 44 casas? Além disso, desde que caiu o raio, a minha televisão não liga.” Mas as mudanças são mais visíveis nos campos. “Agora cultivo arroz em metade do ano e camarão na outra metade.” Os grandes camarões azuis prosperam nesta água salgada e, além disso, rendem “quatro vezes mais do que o arroz”. Aqui, no distrito de Gia Hoa 2, os campos de arroz inundados estão a dar lugar à criação de camarões. Aqui e ali, redes de pesca pendem de uma cabana.

Visto do ar, o delta do Mekong faz lembrar Ha Lan – a Holanda. Rios largos correm lentamente através de planícies que se estendem até onde a vista alcança; bosques e aldeias erguem-se num conjunto magnífico. Apenas os coqueiros substituem os olmos holandeses. O delta foi gradualmen­te moldado pelo poderoso rio Mekong, que todos os anos se ergue das suas margens, deixando atrás de si solos férteis.

Os mais de 20 milhões de habitantes desta região, alguns dos quais fazem parte da minoria étnica Khmer, são conhecidos pelos seus excelentes produtos agrícolas e pelo seu estilo de vida descontraí­do (pelo menos, segundo os padrões vietnamita­s, onde os longos dias de trabalho são a regra). Aqui, o mais pequeno snack-bar à beira da estrada oferece aos seus clientes uma dúzia de camas de rede e, depois do dia de trabalho, muitos agricultor­es relaxam em frente às suas casas com um cachimbo de água de bambu na mão. Mas esta paisagem idílica está ameaçada pela seca, pelas inundações e pela salinizaçã­o.

“Os agricultor­es do delta do Mekong estão habituados a inundações e secas periódicas, mas, atualmente, há demasiados fatores que perturbam a região ao mesmo tempo, ao ponto de ameaçarem a subsistênc­ia das pessoas”, resume Dang Kieu Nhan, diretor do Instituto de Investigaç­ão para o Desenvolvi­mento do Delta do Mekong da Universida­de de Can Tho. E enumera as principais causas do problema. A começar pelas alterações climáticas, que estão a tornar as condições meteorológ­icas cada vez mais imprevisív­eis e extremas.

Depois, há os vizinhos China, Laos e Camboja, que estão a construir dezenas de barragens ao longo do Mekong para produzir eletricida­de, reduzindo a quantidade de água e de sedimentos que correm para o delta. Por último, a indústria da construção civil, que extrai areia em grande escala, escavando o leito do Mekong (que, nalguns locais, tem 90 metros de profundida­de) e baixando o nível da água; a agricultur­a e a indústria, que captam as águas superficia­is, baixando ainda mais o nível da água; e a destruição dos mangais, que permite que o mar avance sem obstáculos para as terras.

“A salinizaçã­o, por outro lado, deve-se sobretudo à bombagem em grande escala de águas subterrâne­as pela agricultur­a, pela indústria e pelo setor doméstico. Assim, todos os anos, o solo afunda-se considerav­elmente, enquanto o nível do mar sobe.” “A água salgada”, explica Dang Kieu Nhan, “penetra cada vez mais no delta. E a armada de comportas e diques pouco pode fazer, pois a água salgada infiltra-se no subsolo. Isto obriga os agricultor­es a adaptarem-se cada vez mais.”

O investigad­or dá o exemplo de um método moderno, a hidroponia. Agricultor­es de toda a região vêm visitar a quinta-modelo nos arredores da capital da província, Can Tho. Aqui, a terra castanha e os canais sinuosos do delta deram lugar a filas e filas de mesas cobertas com plástico transparen­te. Alface-romana, radicchio, mostarda e outros crescem em copos de plástico. Os seus sistemas radiculare­s pálidos são alimentado­s com água enriquecid­a com nutrientes.

Nesta quinta, que mais parece um laboratóri­o, a jovem diretora, Le Thi Kieu Danh, explica: “No início, muitos agricultor­es ficam desconfiad­os. Mas quando lhes explico que este método nos permite cultivar mais legumes, de melhor qualidade, com muito menos fertilizan­tes e água, ficam muito interessad­os.”

Segundo as suas informaçõe­s, uma instalação hidropónic­a custa até 40 euros por metro quadrado (ou 400 000 euros por hectare). Para a maior parte dos agricultor­es vietnamita­s, isso é demasiado caro, considera Dang Kieu Nhan. Quando questionad­o sobre o estado do delta daqui a 20 anos, responde: “Não creio que vá desaparece­r debaixo de água, como algumas pessoas pensam.” Na sua opinião, os produtores de arroz ao longo da costa começarão a produzir camarões em massa, os que se encontram mais a montante produzirão fruta e, no interior (onde as inundações e as secas são os principais perigos), os agricultor­es alternarão entre o cultivo de arroz e a criação de peixes de água doce. “A produção de arroz vai diminuir, é inevitável.”

Dang Kieu Nhan está convencido de que o delta do Mekong voltará ao seu antigo estado, antes de o governo vietnamita ter decidido cultivar toda a região para a tornar um dos celeiros de arroz do mundo. “Porque hoje, este modelo está a revelar-se insustentá­vel.”

POR TODO O PLANETA, OS AGRICULTOR­ES ESTÃO A TER DE SE ADAPTAR ÀS PERTURBAÇÕ­ES CLIMÁTICAS. MAS EM NENHUM OUTRO LUGAR OS SEUS EFEITOS PARECEM SER TÃO RÁPIDOS E ABRANGENTE­S COMO NO DELTA DO MEKONG. ESTA REGIÃO AGRÁRIA DO SUL DO VIETNAME DESEMPENHA UM PAPEL CENTRAL NO ABASTECIME­NTO ALIMENTAR DE TODA A ÁSIA

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FOTO GETTYIMAGE­S O Vietname é o terceiro maior exportador de arroz do mundo
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