«Não existe uma única criança que tenha frequentado a escola primária e que nunca tenha sido gozada»
o bem ou para o mal, era assim que se fazia. Não sei como foi a juventude de cada um. Mas garanto que a minha mãe não teve uma vida em que, de forma regular, se sentava com a minha avó a falar de determinados assuntos. Mas há sempre avanço e progresso. O que acho interessante é que nos transformámos nestes indivíduos que sentem prazer em falar e partilhar. Gostam de comunicar. Há várias conversas em curso sobre a maneira de fazer as coisas de outra maneira, tornar tudo melhor. Há uma enorme veiculação informativa sobre outras estratégias de tornar tudo mais interessante. Como mãe, reside aqui um dos elementos mais interessantes do exercício parental. Mas não sei se foi essa, necessariamente, a minha experiência enquanto jovem ou adolescente.
Já alguma vez foi vítima do fenómeno do ‘bullying’?
Sim, por jornalistas. Não, agora mais a sério: acho que não existe uma única criança que tenha frequentado a escola primária e que nunca tenha sido gozada ou humilhada pelos colegas, de uma maneira ou de outra. Embora, olhe, não sei. Se calhar, como jornalista, o senhor nunca foi discriminado no recreio. Se calhar os jornalistas são de tal modo ‘cool’ que nunca passaram por nada desse género. Seja como for, connosco a história é diferente. Nós, as pessoas normais, acabamos inevitavelmente por ser discriminadas de uma maneira ou de outra ao longo da vida.
Daqui a pouco tempo os seus filhos vão tornar-se adolescentes. Acha que isso vai mudar a sua perspetiva face à vida?
Perante esses factos incontornáveis, não me permito ficar com medo. Não vou ficar com medo. Não vai poder, com essa pergunta, meter-me medo. (risos).
No filme, aquela mãe diz ao filho que toda a gente tem marcas e pontos na cara. Mas que, para seguir pela vida fora, os únicos sinais que interessam estão no coração, porque são eles que nos mostram o caminho a seguir. No seu caso, dá consigo a pensar que futuro lhe está reservado?
Muito sucintamente, a resposta é não. A resposta mais longa é: adoro todo esse pequeno discurso, a maneira como foi escrito. Achei tão bonito. Acredito mesmo que o coração é o nosso grande compasso, aquele que nos diz onde temos estado, por onde passámos, para onde nos encaminhamos. Sabe, não fiquei imune à poesia desta história. Adoro cada momento do que contamos aqui. Continuo a acreditar nestas ideias. Continuo a acreditar que o nosso corpo e a nossa cara mostram os lugares por onde passámos e o que fomos sentindo ao longo dessa caminhada.
Alguma vez teve dúvidas sobre a qualidade ou sobre a consistência da sua carreira?
Nunca! Nunca tive uma única dúvida! Nem por um momento. (risos). Não sei como responder. Lembro-me disto: nem mesmo com as minhas dúvidas constantes, nem mesmo com a minha falta de autoconfiança, me desviei do caminho que seguia. Precisamente porque tive sempre acesso a um espaço de calma.
Houve sempre algo que dava paz. Soube sempre que, de uma forma ou outra, no fim tudo iria fazer sentido.
«O coração é o nosso grande compasso, aquele que nos diz onde temos estado, por onde passámos»