Um homem que pressente a morte»
A propósito de “Hostis”, ‘western’ que estreia hoje e faz um retrato brutal de uma América em finais do século XIX, era inevitável falar com Wes Studi, o mais talentoso e carismático ator nativo-americano das últimas décadas.
Omito e o monumento humano chegam até nós com estas dimensões. Nome: Wes Studi, da família dos desapossados do Novo Mundo, dono de uma herança cultural que respeita a águia, o rio e o trovão. Nasceu a Dezembro de 1947 em Nofire Hollow, naquilo que tem vindo a ser conhecido como o estado do Oklahoma. Aos 20 anos, como soldado ianque inimigo do Vietcong, foi para o delta do Mekong – onde presenciou o abismo do apocalipse. Começou como ator de palco na peça O Coiote Morde a Própria Cauda, mas também foi visto ao lado de Daniel Day Lewis no glorioso filme de Michael Mann, O Último dos Moicanos, e em O Novo Mundo, a obraprima de Terrence Malick. No seu novo trabalho, o virtuosismo e a gravidade imperial de Wes Studi surgem na companhia de Rosamund Pike e Christian Bale em Hostis para nos falar do genocídio índio e da única maneira de encarar o futuro quando tudo parece perdido nas cinzas.
Esta história deve conter aspetos familiares para si em particular, dada a sua herança cultural. Que tipo de infância teve?
Só aprendi a falar inglês aos 6 anos, quando comecei a ir à escola. No meu caso, havia uma tia que era crente. Quer dizer, era uma espécie de progressista. Acreditava que seria melhor deixar de falar Cherokee, começar a falar inglês, aceitar o estado das coisas e não resistir à assimilação. Para ela, seria melhor para toda a gente se nós, deste lado, nos esquecêssemos daquilo que fomos. Ou seja, foi por causa da influência dela que eu fui enviado para um colégio privado. Era gerido por protestantes. Fui enviado para lá e comecei a frequentar a primeira classe sem saber sequer falar inglês. Ainda passei 10 meses na escola. Mas não me lembro de grande coisa. Sei que, no fim do ano letivo, voltei para casa e come- cei a tentar introduzir algum vocabulário inglês nas coisas que fazia lá em casa. A minha avó, que era a cabeça de família, não estava para aturar tal coisa. Disse-me logo “não falamos nessas coisas quando estamos em casa”, disse logo. Ou seja, do ponto de vista do idioma, foi uma viagem rápida de ida e volta. Tive de reaprender Cherokee – isso foi algo que ficou claro logo à partida. Uns meses depois voltei para a escola, por essa altura já menino bilingue. Pois, no início foi assim. E o resto pertence à História.
A sua personagem neste filme, Yellow Hawk, é de uma enorme beleza. Que força! Mas continua
Sabe no que penso quando me vejo outra vez na cadeira da sala de maquilhagem a tentar perucas e novas combinações cromáticas para a maquilhagem? Penso assim: karma! Há uns anos andei ocupado com cavalos, arte equestre, espetáculos, desfiles, tudo isso. Aquilo a que me submeto agora na sala de caracterização é exatamente o que eu fazia aos cavalos. Cortava-lhes o pêlo. Tentava dar brilho aos olhos. Puxava lustro aos adereços. O cabelo da crina, a penugem nas orelhas, tudo era aparado. A ideia era sempre: vamos fazer desta criatura o ser mais lindo que existe. E, agora, chegámos a isto. Trinta anos mais tarde, dou comigo a ser sujeito aos mesmos tratos. (risos). Para mim, foi esse o grande momento de surpresa, descoberta e esclarecimento.
«Só aprendi a falar inglês aos seis anos de idade, quando comecei a ir à escola»