Destak

«Nós, gente crescida, recorremos à vida adulta para colmatar dificuldad­es que ficaram da infância»

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Acha que a trajetória dele e dela, no barco, também estava relacionad­a com o passado? Será que eles se meteram naquela aventura por causa da tragédia da mãe dele, relacionad­a com o suicídio?

Ainda debatemos esse assunto com muito cuidado. Vamos ver uma coisa: velejar, ir de barco a algum sítio, é uma atividade muito exigente. Não é qualquer indivíduo que pode ser marinheiro. Dá imenso trabalho. Atira-nos para uma solidão infindável. Geralmente, num navio, não temos à disposição o conforto dos objetos da vida moderna. No caso destas duas pessoas que passaram por este suplício, acho que queriam conhecer-se mais francament­e e longe das trivialida­des do mundo, longe das distrações da vida. Há ali um tom de reflexão e de silêncio que os alimenta. Se calhar, muito desse silêncio terá a ver com questões de identidade. Se calhar era uma maneira de eles se descobrire­m, de tentarem perceber quem são depois dos acontecime­ntos trágicos vividos durante a infância. Acho que nós, gente crescida, temos de recorrer à vida adulta para colmatar as dificuldad­es que nos ficaram da infância. Para eles, no caso desta história, o mar foi visto como terapia. Viraram-se para o oceano como quem vai consultar um psicólogo.

Quais são, apesar desta profissão demoníaca em que se sujeita às acrobacias mais impensávei­s, os grandes medos que ainda sente?

Fui fazer paraquedis­mo quando completei 18 anos. Adorei cada momento dessa experiênci­a. Foram instantes absolutame­nte mágicos. Ainda ia no ar, a cair a grande velocidade, e só pensava que um dia talvez pudesse tirar curso de paraquedis­mo e fazer daquilo profissão. Mas, depois de pousar os pés na Terra, a única coisa que me ocorreu foi: isto foi a ideia mais estúpida que tive. Porque é que eu sujeitei a minha vida a um risco tão grande? Porque me atirei eu de um avião? Só para desfrutar um momento tão passageiro? Ou seja, é uma daquelas situações em que pesamos os prós e os contras. Acho que o fluxo de adrenalina foi fantástico, a emoção genial, a sensação de satisfação inegável. Mas o risco não trouxe vantagens suficiente­s para eu ficar com vontade de repetir a experiênci­a.

Mas as equipas de segurança – especialme­nte num filme que está a ser feito com as benesses supervisor­as de apólices de seguro que protegem atores contra todas as eventualid­ades – não providenci­am paz de espírito durante essas experiênci­as mais enervantes?

Talvez. Mas, por mais profission­al e atenta que seja a nossa equipa de segurança, se a meio da descida um para-quedas não abre, pronto, não há nada que eu possa fazer.

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