Destak

«Não sei se o Trump se vai mostrar disponível para ver este filme. Devia ver. Ele e todos os que o rodeiam»

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Acha que ultimament­e temos aprendido algumas coisas sobre essa ideia de sermos todos um bocadinho mais sensíveis quando nos movemos na esfera social, mais politicame­nte corretos, etc?

Sim, mas isso só é verdade na esfera pública. O que se diz em casa, com a porta fechada, aí já não sei se a sua pressuposi­ção se mantem válida.

A equipa de filmagem, incluindo alguns dos atores, são brancos. Ou asiáticos. Ou negros. Seja o que for. Notou que tivesse havido momentos de grande desconfort­o e tensão durante a produção?

Desconfort­o? Não. Eu senti-me perfeitame­nte confortáve­l. Os atores brancos tiveram problemas em dizer a palavra que começa com “N”. Tive de lhes dizer que não eram eles a dizer a palavra. Eram a personagem. Não foi a primeira vez que encontrei essa situação. Ainda me lembro das conversas que tive com o John Turturro durante as filmagens do Do The Right Thing. Um dia – naquela altura ele tinha passe do metro – chegou-se ao pé de mim todo contente a dizer «Spike, eu andei de metro toda a minha vida. Mas, um dia, o filme estreou e agora até os pretos gosta de mim! Os pretos adoram-me!» (risos). Mas é isso mesmo. Este tipo de ambientes e conversas surgem com frequência quando trabalhamo­s nesta profissão. O Robert de Niro também não teve medo que viesse a ser odiado quando fez de Travis Bickle no Taxi Driver. O papel era isso mesmo que lhe exigia. No meu filme o Topher Grace tem por dever recriar uma pessoa odiosa, David Duke. Não podemos estar aqui preocupado­s com aquilo que as pessoas poderão, ou não, dizer. Ali, o dever do ator é criar uma personagem desprezíve­l, odiosa, detestável.

Os atores dizem sempre que não estão ali para fazer juízos de valor, que estão ali só para contar a verdade…

Nem todos os atores dizem isso.

Acha que o filme poderá informar e refazer o diálogo corrente?

Informar? O meu filme? Não. De todo. Eu, por exemplo, não precisei deste filme para me informar sobre a quantidade e proliferaç­ão de grupos dedicados ao ódio racial, grupos que todos nós sabemos que existem nos Estados Unidos. Não preciso ser informado disso porque cresci nos Estados Unidos. Ou seja, tenho passado toda a minha vida a ver o meu povo a ser retratado como uma raça diferente. Desde que sou criança que convivo com essas imagens, essa representa­ção. A maneira como nós somos vistos. A maneira como os índios são vistos. Os hispânicos. Tenho sido informado sobre tudo isso desde que era apenas um miúdo no bairro de Brooklyn. Estamos agora em 2018.

Quando achou que era necessário voltar ao cinema de mensagem, protesto, confronto?

Nada aqui é novo. Desde o meu primeiro filme que faço isto. O The Answer, que fiz em 1980 quando frequentei a escola de cinema da Universida­de de Nova Iorque, era sobre um guionista jovem, negro, a quem é oferecida a quantia de 50 mil dólares para rescrever e realizar uma nova versão do Birth ofa Nation. Sim, logo no meu primeiro filme comecei a falar desse assunto.

Nesse aspeto, nada aqui é novo.

«Tenho passado toda a minha vida a ver o meu povo a ser retratado como uma raça diferente»

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