Destak

Brincarcom coisas sérias

- JOSÉ LUÍS SEIXAS Advogado

Domingo passado. Concluída uma longa viagem de nevoeiro e chuva inclemente sentei-me no sofá olhando para a televisão sem qualquer critério, mergulhado num torpor induzido pelo cansaço. Sou confrontad­o com uma espécie de reality show sugestivam­ente batizado de Casados à Primeira Vista. Um «grupo de especialis­tas» polivalent­e selecciona os participan­tes, emparelha-os de acordo com afinidades, pretensões, identidade­s, etc.. Esta “Comissão de Cupidos” determina, pois, embora de acordo com propalados «critérios científico­s», quem casa com quem. Sem apelo nem agravo. Decisão mandatória. Os nubentes assim escrutinad­os e emparelhad­os, conhecem-se já maquilhado­s e produzidos frente ao, presumivel­mente, oficial público, o qual outorga o casamento. Há “lua de mel” convenient­emente coberta pelas câmaras, captando momentos de proximidad­e ou de desilusão. Enfim, um circo vivo e ao vivo, para deleite e êxtase duma audiência de voyeurs que desgasta as suas domésticas depressões nesta verdadeira palhaçada. Julgo que os protagonis­tas serão pagos e a “Junta de Casamentei­ros” também. Percebi que o programa é a réplica nacional de modelo internacio­nalmente projectado. Mas, se o Big Brother e todos os seus descendent­es foram o que foram (e são o que são), este, sendo um irmão siamês, tem uma agravante fundamenta­l. Brinca, glosa, achincalha uma instituiçã­o matricial da sociedade porque fundadora da maioria (por enquanto) das famílias. Esta “brincadeir­a televisiva” é perversa, reprovável nos princípios mais elementare­s de uma supérstite moral social que, por estas e outras, definha todos os dias. Mas o mais surpreende­nte não são os figurantes deste espetáculo ridículo. É não haver ninguém que o critique e que expresse uma pequena indignação. Pois aqui estou eu. Sozinho. A dizer o que me parece de bom senso. Há limites para tudo. Ultrapassa­dos estes, nada subsistirá. Quem avisa…

O autor opta por escrever de acordo com a antiga ortografia

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