Brincarcom coisas sérias
Domingo passado. Concluída uma longa viagem de nevoeiro e chuva inclemente sentei-me no sofá olhando para a televisão sem qualquer critério, mergulhado num torpor induzido pelo cansaço. Sou confrontado com uma espécie de reality show sugestivamente batizado de Casados à Primeira Vista. Um «grupo de especialistas» polivalente selecciona os participantes, emparelha-os de acordo com afinidades, pretensões, identidades, etc.. Esta “Comissão de Cupidos” determina, pois, embora de acordo com propalados «critérios científicos», quem casa com quem. Sem apelo nem agravo. Decisão mandatória. Os nubentes assim escrutinados e emparelhados, conhecem-se já maquilhados e produzidos frente ao, presumivelmente, oficial público, o qual outorga o casamento. Há “lua de mel” convenientemente coberta pelas câmaras, captando momentos de proximidade ou de desilusão. Enfim, um circo vivo e ao vivo, para deleite e êxtase duma audiência de voyeurs que desgasta as suas domésticas depressões nesta verdadeira palhaçada. Julgo que os protagonistas serão pagos e a “Junta de Casamenteiros” também. Percebi que o programa é a réplica nacional de modelo internacionalmente projectado. Mas, se o Big Brother e todos os seus descendentes foram o que foram (e são o que são), este, sendo um irmão siamês, tem uma agravante fundamental. Brinca, glosa, achincalha uma instituição matricial da sociedade porque fundadora da maioria (por enquanto) das famílias. Esta “brincadeira televisiva” é perversa, reprovável nos princípios mais elementares de uma supérstite moral social que, por estas e outras, definha todos os dias. Mas o mais surpreendente não são os figurantes deste espetáculo ridículo. É não haver ninguém que o critique e que expresse uma pequena indignação. Pois aqui estou eu. Sozinho. A dizer o que me parece de bom senso. Há limites para tudo. Ultrapassados estes, nada subsistirá. Quem avisa…
O autor opta por escrever de acordo com a antiga ortografia